sábado, 8 de março de 2014

TAREFA ÁRDUA

EU, MULHER
No assobio, um chamariz.
No teu abraço, aconchego.
Desnudei-me de um tudo.
Naveguei pela vida afora.
E nela, um dia, tracei meu rumo.
Como nos tempos ancestrais,
Em que eras parceiro
A cavalgar por montes abissais.
E eu?
Montaria frágil...
Mas esperta, pois te fiz escravo, sendo rei.
És meu!
Deposita em mim teu olhar.
E te verás por inteiro.
Verás, no olhar, estampado o poder da posse, do comando, do embate que nos nivela aos irracionais, o que é útil e desejável para a perpetuação da espécie.
Os tempos, porém, são outros!
Quem é capaz de gerar uma vida está na contramão da morte. Mas, a cada 1 hora e meia, uma mulher é morta no Brasil, segundo estatísticas.
Quem carrega a ninhada?
Os cachorrinhos, os gatinhos, os porquinhos, os potrinhos, onde todos buscam alimento nos primeiros meses de vida? A fêmea é soberana nesse mister. Trabalho duríssimo.
Ah! E tem aquelas outras todas, bilhões delas, que além de amamentarem, possuem um diferencial das primeiras: são seres pensantes ou, para satisfazer a nomenclatura, seres racionais.  Chega-se, então, a esse dado arrasador: dão vida e pensam, raciocinam. E como pensam!
E chegaram à conclusão que as coisas ainda estão bastante difíceis para as mulheres.
Pois é! Ouvi de um homem, dentro de um restaurante, a afirmação de que como dizia sua avó, lá no século passado: “É melhor um pouco do que nada”.
Nesse ritmo, as mulheres têm assistido aos séculos passarem.
Os direitos das mulheres, inseridos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, não se estabeleceram como prática cotidiana. A Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada em 1979 pela Assembleia Geral, chamada de Carta Internacional dos Direitos da Mulher, composta de 30 artigos, também, em grande parte, não é cumprida.
Sabe-se que, em algumas comunidades, são, simplesmente, ignorados tais direitos, sob o manto de leis criadas por um ente superior, divino ou não, invocado para dar respaldo a atrocidades de todo o tipo. Os séculos continuam passando e crueldades permanecem sendo cometidas.
Quantos outros séculos precisarão passar para que haja uma reversão do quadro posto?
Quantos modelos de burka, totalmente fechadas ou com espaços maiores ou menores, para olhares aflitos continuarão a existir em pleno século XXI?
Afinal, segundo o cidadão antes referido, é melhor um pouco do que nada...
Que nossas mulheres, aquelas que mais se aproximam dos direitos garantidos pela Carta da ONU, possam a cada dia expandi-los para bem além do que até agora conquistaram. Que possam desempenhar suas aptidões e capacidades como qualquer homem, colega ou chefe, no exercício pleno de sua cidadania.
Não cabem mais distinções em questões laborais ou de qualquer outra ordem.
Uma diferença inquestionável é o ato de gerar. É sua a exclusividade, embora sempre vá precisar de um parceiro. Mas isso já é assunto para uma nova crônica.
E a outra é a árdua tarefa de cuidar da prole, ampará-la e amá-la para todo o sempre, o que é uma bênção.
Esse olhar materno, amoroso, comprometido, que se perde no tempo, é o que nos diferencia daquele outro que, aparentemente, se submete, para tornar-se poderoso nos jogos do amor, em que o rei acaba seu súdito. Esse outro é apenas um olhar que se espelha no do outro e que nada tem de materno. É apenas um olhar de leoa no cio.
E, convenhamos, somos bem mais do que isso: somos mães, profissionais liberais, trabalhadoras, intelectuais. Somos mulheres livres: tão livres quanto nossos parceiros.
Com o tempo chegaremos lá. Só espera-se que não seja necessário mais um século para tal feito, pois a tarefa de ser mulher é árdua e requer muita coragem.
Salve o dia 8 de março!
Salve o Dia Internacional da Mulher!




Mujer Coraje – Ivan Lins  





terça-feira, 4 de março de 2014

RECARGA CONCLUÍDA


 
Pode tirar da tomada. Pode soltar os tamancos. Pode esticar os pés. Relaxe, pois é hora disso.
E nesta terça-feira, depois de uns dias meio nublados, ela voltou. Num céu azul, no final da tarde, lá está ela, novamente, crescente. Apenas um fio, ainda. Da janela, sentada em uma cadeira, Bia estica o corpo para vê-la melhor.
Por quatro dias, o envolvimento foi total. Pra quem não sabe, Bia está voltando, como tantos outros, da avenida. Não só acompanhou o bloco carnavalesco de seu bairro, dando força para o pessoal como, também, e principalmente, desfilou na sua escola do coração.
Ela e outros tantos milhões de pessoas divertiram-se, sonharam, se energizaram para enfrentar as dificuldades que surgirem ao longo do ano. Nesse período, o do Carnaval, enquanto alguns curtiram o Oscar, milhares sucumbiram em guerras, ou, ainda, resistem às atrocidades que persistem nos milhares de conflitos pelo Planeta.
Por aqui também os homicídios se somaram aos latrocínios, aos assaltos, aos furtos, aos acidentes ocasionados pelo excesso de velocidade, às fraudes, aos desvios de toda a ordem, aumentando as estatísticas que amedrontam, que nos tornam, a cada dia, menos seguros.
Oxalá nunca chegue até nós a matança indiscriminada de uma guerra ou mesmo de uma revolução que se alimenta dos mais indefesos, daqueles que servem de bucha de canhão para apetites sempre discutíveis.
Assistindo a alguns programas sobre comunidades, em que o samba é o principal elo de agregação, observa-se o cunho social que ali se encontra alinhado à simples diversão de compor e cantar.
Pessoas de profissões diversas, credos diferentes, todos reunidos num abraço que preserva uma cultura, que se impôs e se mantém. Graças ao trabalho de membros dessa mesma comunidade, a cultura do samba tem perpassado gerações.
E isso é o que mantém milhares de comunidades pelo país afora agregadas e, espiritualmente, fortes para os desafios que são constantes e diários. Seres gregários precisam de outros iguais para sentirem-se mais seguros e felizes, embora as carências materiais ainda persistam.
Para os que não carecem de bens materiais nessa mesma proporção, talvez, seja difícil entender o porquê da tão grande importância de uma comunidade que se reúne para cantar, tocar, curtindo momentos de descontração. Claro, há quem descontraia, sozinho, ouvindo Beethoven.
O fato é que é imprescindível que se guardem momentos para esse recarregar de baterias. Logo ali adiante, essa energia será bastante necessária.
Lembrei-me de um cidadão português, padrinho de um casal de brasileiros, na véspera do casamento, que disse, com sotaque característico, perguntado sobre onde andavam os noivos: “estão a recarregar as baterias”.
Digressão à parte, o importante é creditar a esses encontros de samba e ao próprio Carnaval essa função de energização do corpo, da mente, dos sonhos, da vida que nos exige, a cada dia, mais força, para que a esperança se mantenha firme e forte.
E essa energia é tudo de bom!
E com ela virá a crença em dias melhores, com mais tolerância, mais fraternidade, porque o barco é um só e já está se tornando pequeno diante de tanta tecnologia. O que parece estar longe de nós pode, a qualquer momento, nos envolver de forma comprometedora à nossa sobrevivência.
Por ora, curtamos as nossas rodas de samba e o nosso Carnaval, que também é cultura.
 
Ah! A lua ainda está lá. Agora, um fio bem mais brilhante. Anoiteceu.
A RECARGA, POR ORA, ESTÁ CONCLUÍDA.



 
 
 
 
 
 

Troca de Energia/Samba de Coração - Péricles 



 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

PARA QUE TUDO ISSO?

Confessa que já anda meio deslocado. Até já mudou de data. Nem acontece mais no mês tradicional. Parece quererem que o esqueçam, ou que, pelo menos, não o queiram com tanta animação.
Os mais abastados, com certeza, escapam para outras paragens mais tranquilas, quando ele se aproxima.
Os que permanecem pela cidade aproveitam para um descanso mais espichado. Comodamente instalados, talvez o assistam pela televisão.
Quem não lhe abandona é mesmo o povão. Ah! Os salões das sociedades, ao que parece, também ainda o curtem.
Sua utilidade fica flagrante junto aos que menos tem. Sua importância é diretamente proporcional àqueles que pouco tem. Serve ele de compensação por tantos dias em que se tem tão pouco, em que se é tão menos.
Daí sua extrema importância.
Ele serve para muitos descansarem, outros muitos lucrarem e muitos milhões sonharem.
E o sonho é necessário. O sonho serve para desafogarmos mágoas, medos e tensões. Mas, também, serve para projetarmos caminhos possíveis, alternativas que se mostram ao acordarmos em alguma manhã diferente, de algum dia diferente.
Serve também o sonho para vestirmos uma fantasia majestosa e nos sentirmos reis. Afinal, um cetro e uma coroa não são para qualquer um. E esse sonho nos impele à construção de toda uma estória que, com começo, meio e fim, nos contará a vida, a obra, as façanhas, as supertições e todo o acervo humano, conquistado por séculos, tudo junto, contado e cantado numa única noite.
É! O reinado dura pouco. Mas, o quanto é importante!
E não é de circo que se está a falar. É de identidade, de participação, de superação, de sublimação para fatos importantes, não resolvidos, que se apequenam, frente ao espetáculo daquela noite. Ou se agigantam, dependendo do enfoque social trazido à cena.
Quando se escolhe um escritor para homenagear, que é da terra, cujas personagens forjadas são criaturas conhecidas nacionalmente e que traduzem tipos e formas de pensar, característicos do povo onde estão inseridas, é tudo de bom!
E é isso que a vermelho e branco, a Escola Imperadores do Samba, leva para a avenida no próximo dia 4 de março.
A Velhinha de Taubaté, coitada, já desaparecida, estará, porém, presente na avenida para lembrar-nos do grau de decepção que sofreu, depois da crise do mensalão, entregando os pontos, tenho certeza, antes da hora. Ela que sempre acreditava nos “governos”, quaisquer governos, apresentando sempre uma posição favorável a eles, instituídos, impostos, conduzidos, negociados ou eleitos.
Por outro lado, a socialite ravissante Dora Avante, ou Dorinha, graças a Deus, continua firme e forte, aparecendo de quando em vez com a Tati Bitati, destilando, através de seu discurso, a ironia sarcástica de seu genial criador.
Já Ed Mort, antigo detetive particular, sempre sem dinheiro, com seu famoso “escri”, de escritório, em Copacabana, cercado de baratas e do famoso rato Voltaire, deixa saudades.
E as Cobras, famosa coletânea de tiras, publicada em 1997, de circulação em alguns jornais brasileiros, que tinham como personagens o famoso Queromeu, o corrupião corrupto (tão atual!), além das lesmas Flexa e Shirley e o não menos famoso Durex, sempre a favor do governo em vigor!
E pra fechar o espetáculo o Analista de Bagé, figura caricata de um gaúcho metido a psicanalista. Sempre acompanhado por Lindaura, sua assistente, pronta a ajudá-lo em “todas” as causas e por “todos os meios imagináveis e inimagináveis”. Aprende-se com ele que o principal remédio para os males e dores subjetivas é o conhecido “joelhaço” que, aplicado no lugar correto, faz o vivente esquecer as dores “menores”, deixando, “de vez”, de frescura. Agora, se for mulher o paciente, as técnicas serão outras, aprendidas, acredita-se, atrás dos galpões.
Ora, depois dessa promessa de desfile, com criador e criaturas fazendo o espetáculo, a pergunta inicial pode ser devolvida com outra pergunta para esse senhor, já bastante idoso, que se chama Carnaval.
Para que serves? Deixe que eu responda.
Para que o povo armazene forças para matar um leão por dia, para que não perca a esperança frente aos embates que se seguem pelo ano afora, para que mantenha a autoestima em alta, para que o bom humor não o abandone, para que o sorriso do filho possa significar a esperança de dias melhores, para que saiba da sua força na transformação, para melhor, das instituições e para que saiba reivindicar, dentro da legalidade e da ordem, os seus direitos de cidadão.
Tudo, da mesma forma, como faz nos desfiles: interpretando os personagens da sociedade, cuidando da formação das alas, controlando o tempo despendido para cada evolução, desfilando no ritmo fornecido pela bateria, não atravessando o samba, compreendendo e respeitando as regras que o desfile exige.
Tudo para aprender a percorrer a avenida no compasso das batidas do coração, com segurança e coragem, rumo a uma melhor condição social que passa, necessariamente, pela correta interpretação do que o cerca.
E isso só se consegue com educação e cultura.
E o Carnaval é um pouco disso tudo.
Mas não é tudo. Há, ainda, um longo caminho a percorrer.
Por ora, armazenemos um tanto de energia nesse dia 4 de março, pois os dias, que se seguem, prometem.
Parabéns à Escola de Samba Imperadores do Samba e ao seu escolhido, o nosso Luis Fernando Veríssimo, para tema do samba-enredo desse Carnaval de 2014.
Um bom Carnaval a todos!





Clipe Oficial do samba-enredo da Escola de Samba Imperadores do Samba para 2014