sexta-feira, 22 de setembro de 2017

ERA PRIMAVERA...




Abri a cortina e, com surpresa, no peitoril da janela, entre o vidro e a grade, encontrei algo inusitado.

Num dos vasos ali colocados, em meio à ramagem, um presente da Natureza tinha escolhido refúgio para a vida comemorar.

A grade não foi empecilho, nem, tampouco, o espaço pequeno foi obstáculo para que três novas vidas ali se desenvolvessem. Um ninho ali se instalara. E a sabiá depositaria três ovos.

Quando poderia imaginar que acompanharia a evolução e o nascimento de três novos seres, cujo canto “me encanta”.

Pacientemente, dia após dia, ali ficava a mãe zelosa a cuidar de seus filhotes.

Passados alguns dias, que não sei precisar, avistei um novo ser que viera ao mundo. Depois de algum tempo, outro e mais outro.

Não me contive e comecei a fotografar o desenrolar dos dias e a dedicação da mãe e do pai, acredito eu, em trazer o alimento para aquelas três bocas famintas. Aliás, estavam quase sempre abertas, pedindo mais e mais comida.

Fotografei o cuidado com o ninho e com a aproximação até ele. Faziam uma espécie de reconhecimento prévio.

Era primavera e eu estava feliz.

Tinham escolhido minha janela para vivenciarem este ato que a todos nós une, independentemente de que espécie esteja a se falar.

Era Primavera.

Lembro-me que um poema dali surgiu e que dizia um pouco com estes novos seres que vieram ao mundo para voar.








Não sei bem porque usei a expressão “além-mar”. Acho que por influência do nosso Gonçalves Dias, quando do seu “exílio” físico e geográfico, pois cursava Direito em Coimbra, à época, e a saudade era imensa. Estava além-mar, mas queria retornar para ver, novamente, as palmeiras onde cantava o sabiá.

Pois este meu sabiá cantou bem próximo a minha janela e serviu de inspiração para um novo retomar.

Afinal, era Primavera!

Há, porém, aquela outra imagem de outro passarinho que não quis adentrar às grades. Achegava-se, mas ficava voando, num convite a segui-lo. Este convite tornou-se a última estrofe do poema O PASSARINHO

“Sim, és um convite para o despertar.

Não te queres enclausurar.

Por isso, não te permites adentrar.

Assim, cabe a mim te imitar... e voar...”


É! A Primavera tem este condão de nos despertar para o novo, para a vida que se renova tal como o nascimento dos meus três inquilinos que aqui estiveram por um breve tempo.

Serviram, porém, de inspiração para novos rumos tomar.

É novamente Primavera!

Aproveitemos esta aura de magia que a todos envolve.

Pois, segundo Fernando Pessoa:

“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.












 Maria Lucia Godoy – Sabiá


A Majestade o Sabiá – Jair Rodrigues




 



sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O GRANDE CÍRCULO



Impossível prendê-lo, nem segurá-lo. E é devastador!

Parte das entranhas da Terra. E de lá surge com diversas denominações. São primos e mais primos que podem surgir, inesperadamente, e levar a todos e tudo de roldão.

Há, porém, aquele outro desconhecido, imaterial, invisível, que surge não se sabe de onde, do Universo infinito, tão devastador quanto os primeiros. A diferença é que surge, normalmente, mais lentamente, sem atropelos, sem a força aparente de um cataclismo.

É com ele que lidamos desde o abrir de olhos, encerrando-se seu ciclo sem saber-se a hora e nem as circunstâncias.

Sobre os primeiros, talvez, tenhamos uma chance maior de evitá-los.

Sobre o último, nenhuma chance.

Assim, tudo que é passível de movimentação, ruído, calor, frio, dá-nos a possibilidade de preparação e, quem sabe, salvar-se de seus estragos.

Aquilo que flui, porém, não se sabendo de onde vem e nem a quem atingirá: é profundamente imprevisível.

E, quando atinge o seu alvo, tudo termina.

Terminará?

Não há ruído que o anuncie. Não há ruído pelo qual se consiga percebê-lo. Mas há um ritmo indelével, vindo de não sei onde, que nos convida a desfrutá-lo, reconhecendo seu encantamento e bailando num ritmo que nos abriga num grande círculo: o círculo da vida.

É por demais voluntarioso e nos tira do sério quando algum de nós é retirado deste círculo, descompassando a nossa dança das horas.

Aqueles primeiros aparecem quando as condições do planeta os favorecem.

E aquele segundo, chamado Tempo, aparece a qualquer momento, sob qualquer circunstância, ao alvedrio de quem tudo rege, eliminando dançarinos que já não comungam do mesmo ritmo. Aquele ritmo inaudível por todos nós.

Como todos são excelentes dançarinos, mesmo aqueles que se arrastam pelas calçadas da vida, acredita-se: todos irão mudar apenas de círculo.

Com certeza, haverá um círculo mais abrangente e bem mais sereno, pois estarão todos sob o manto de uma eterna proteção e de uma placidez, também, eterna.

Portanto, nos preocupemos com os desastres naturais, porque em parte previsíveis.

Desfrutemos, porém, do tempo que dispomos para iluminarmos o olhar, aguçarmos os ouvidos, sonharmos com uma paz que nos envolva a todos num grande círculo amoroso. Tudo ao ritmo imperceptível do Criador.

Afinal, nosso tempo é diferente do tempo de um furacão.

O nosso se propaga por ondas mais sutis, impossível ouvi-las e prever o seu desfecho.

Ah! Ia esquecendo...

E assim fica difícil de gravá-las para, depois, usá-las como argumento contra outros componentes deste grande círculo, ou a nosso favor, no ato marcado para o Dia Final, aquele da Prestação de Contas.

Aliás, convenhamos, recurso desnecessário frente ÀQUELE que tudo sabe, tudo ouve, tudo percebe.



 Oração ao Tempo - Caetano Veloso, 1979








terça-feira, 11 de julho de 2017

REFLEXÕES NO PARQUE




Olhos pousados na mandala construída pela natureza.

Um céu completamente azul e árvores que com suas ramagens, galhos e folhas desenham sobre este fundo uma imagem em que o olhar se perde.

E o som, que embala esta dádiva, vem de músicos que tocam chorinhos e sambas e que integram o Grupo Naquele Tempo. Executam composições próprias e de autores reconhecidos nacionalmente.

Instrumentos como violão, cavaquinho, bandolim, violino e outros tantos de percussão compõem este grupo de artistas que se apresenta pela cidade.

Em parques, esquinas e onde houver o povo presente, lá estarão eles a alegrar quem deles aproximar-se, difundindo a música popular brasileira mais genuína.

Estão habituados a embalar o gestual de quem se achega e que não consegue ficar inerte a tanta sonoridade e ritmo.


Quanta poesia no ar...

É de tudo o que precisamos neste domingo de trégua da chuva e do frio.

Que delicadeza de som! Faz aflorar só bons sentimentos. Impossível ficar imóvel. É um pezinho que bate no chão, tímido, acompanhando as músicas, é um mexer de ombros e quadris: um quase sair dançando.

Olhos voltados ao azul do céu. Ouvidos que vibram ao ritmo de melodias bem brasileiras. O que mais querer?

É um sentir-se conectado à mãe Natureza e aos irmãos que circulam por entre as árvores, trazendo seus afetos pelas mãos. Mãos que afagam, que direcionam, que cuidam, não importando serem animaizinhos ou gente miúda.


E a grande imagem, que abarca tudo isso, parece congelar e não mais querer sair da retina.

E o criador dessa cena?

Será o olhar de quem se detém no particular para desaguar no conjunto absorvendo a beleza ali existente?

Ou, esse olhar também é parte desse todo maior?

Sim, somos, todos, provas existenciais desse milagre de existirmos.

Somos provas vivas.


Vivemos para erguer os sonhos ao alto,

Apesar dos tombos.

No calafrio das noites escuras,

Ou no suor dos pesadelos

Das noites maldormidas.



Sonhos cujas imagens repousam

Na mandala tecida por olhos poéticos.

Sonhos que bailam ao som

De chorinhos ao entardecer no parque.



Sonhos que nos mantêm vivos.

Que nos fazem chegar próximo aos poetas.

Eles que descrevem nem sempre o que veem,

Mas sempre o que a emoção permite experimentar.



E ela só permite aquilo que temos de bom.

Mesmo que de coisas más se poetize.

Seus versos esculpirão da miséria

Aquilo de sublime que ele, o Poeta, extrair.



Música e Poesia: dupla perfeita.

Uma tarde inteira para...

Ouvir... Olhar...

Sentir... Criar...

Poetar...


Somos provas vivas de que existimos para amar e não apenas para amargar.

E sempre estaremos por aqui, porque somos provas vivas de existências que, embora transitórias, revelam uma continuidade vivencial humana que se perde no tempo do Universo. Seres humanos serão substituídos por outros seres humanos.


Muito diferentes daquelas outras provas, aquelas passíveis de destruição, sem possibilidade de substituição. Aquelas que, em princípio, não se podem enterrar vivas, porque nada vivo se enterra, incluindo-se nós: os humanos. E, por último, porque, se ocultadas ou destruídas, serão insubstituíveis. Por isso, deveriam ser esmiuçadas, apreciadas e avaliadas à exaustão.

Nem sempre eles, os juízes, estão certos. Desta vez, porém, a indignação do Senhor Juiz foi procedente. 




 Choro na Rua – Grupo Naquele Tempo



 Grupo Naquele Tempo