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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

COMPOSITORES POR TABELA


Talvez tenhamos chegado ao momento em que tudo anda meio misturado. Não se sabe bem, pelo sentir, em qual época do ano andamos. Seria também essa a sensação nos já distantes séculos XVII e XVIII? Impossível saber-se. Mas houve quem se atrevesse a descrever, musicalmente, as estações do ano. E, ao que parece, eram já quatro as estações do ano. O que não se sabe é se seriam como as nossas de hoje, isto é, todas misturadas, independente do período. Isso, porém, não é o que nos interessa nessa reflexão de hoje.

Interessa, isso sim, destacar a importância dada a elas por um compositor italiano de nome Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741) que compôs a conhecida obra AS QUATRO ESTAÇÕES. Composta por quatro Concertos para Violino que retratam fatos que ocorrem durante cada estação do ano como, por exemplo, o aparecimento do gelo, ocasionando possíveis quedas.
Que sensibilidade aguçada deveria ter quem transpôs para notas musicais sensações tão diversas, que se iam modificando a cada nova estação do ano. É o estado da alma das diversas estações que ele transcreve musicalmente.
E, para tal, o violino é o instrumento que canta em todas as suas obras.
Posteriormente, usou da voz na sua música coral, onde também sua produção foi importante.
Agora, para um violino cantar, parecendo, por vezes, falar, substituindo a voz humana, seu compositor e instrumentistas tinham que ser muito bons.
Aliás, grandes artesãos, como, por exemplo, Antonio Giacomo Stradivari (1644-1737), entre outros, transformaram o violino em instrumento nobre.
A profusão de invenção melódica de Vivaldi foi, talvez, o que o tenha tornado mais popular. Por óbvio, não teve a densidade polifônica de um Bach. Porém, foi genial em invenção e em imaginação transpostas musicalmente.
Como compositor e violinista foi famoso na Europa inteira. Sua obra é extensa, sendo considerado um gênio no gênero típico da música instrumental barroca que é o Concerto Grosso, onde dois, três ou mais solistas alternam-se com a Orquestra de Câmara.
O que a nós importa, porém, é perceber a dimensão da dificuldade de transpor para notas musicais as sensações, as nuances, as emoções, o estado d’alma que cada estação do ano propicia individualmente. Daí a importância de um compositor. E ele soube sê-lo.
No seu tempo, na sua época, do lugar de onde vinha, suas raízes culturais, suas circunstâncias e vivências, foi ele representativo e figura ímpar.
Essas QUATRO ESTAÇÕES não foram qualquer coisa. Tornaram-se universais, pois perduram até hoje.
 
E as QUATRO ESTAÇÕES, nome original do samba-enredo Cântico à Natureza, da Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval de 1955?
E lá vão 59 anos de existência do samba de autoria de Nelson Sargento, seu padrasto Alfredo e, dizem também, com a parceria de Jamelão (José Bispo).
Muitos outros belos sambas foram compostos por Nelson Sargento.
Abstenham-se de comparar composições e compositores.
Não estamos aqui para dizer que a segunda obra é “uma coisa” e a primeira, é “outra coisa”! Até porque nem poderíamos comparar música erudita com música popular.
Estamos, isso sim, a reverenciar a figura do compositor e a data de 15 de janeiro como a escolhida para homenageá-los. A figura do letrista que, às vezes, é também o compositor da música, contribui para o sentir de quem ouve. As palavras, quando bem escolhidas, só acrescentam beleza à melodia posta.
A música, porém, quando de excelência, preenche o ser humano, trazendo-lhe um melhor entender-se, pois repousa na emoção. Ela é pura harmonia e traz paz. É o caminho da luz.
Pode, também, nos fortalecer, nos energizar, restaurar, motivar, impulsionar, reequilibrar, dependendo do seu estilo, do seu movimento e também de suas letras, por que não? Quantas músicas fizeram parte da nossa infância, da juventude, de momentos felizes, de expectativas, de instantes tristes?
E os compositores, por certo, são os responsáveis pela música que nos liga à nossa essência, que é movimento e vibração. O equilíbrio entre ambos, alternando-se com o relaxar, o dormir e o acordar, chama-se viver. Tudo com os andamentos variados de moderato, andante, allegro, allegretto, allegro com brio, adágio e, quando possível, com muito scherzando: que é pura alegria, graça, rapidez e leveza. E por aí vai...
Música é, portanto, vida. É ela que nos ajuda a nos tornarmos, também nós, compositores de uma partitura rica em tons maiores, menores, dissonantes, às vezes, mas, também harmônicos, no mais das vezes, que é a nossa jornada.
Segundo John M. Ortiz, compositor, multi-instrumentista e psicólogo:
“Só pela música conseguimos ouvir o passado, desfrutar o presente e compor o futuro”.
E mais adiante:
“Quando uma peça musical é composta, reflete o mundo do compositor – seus pensamentos, emoções ou estado psicológico – naquele momento. Transpostos para a música, esses sentimentos – a tradução de uma emoção que, de outra forma, seria fugaz – vivem na composição. Mais tarde, por meio da música, não apenas conseguimos ouvir, mas, às vezes em determinados níveis, sentir as emoções sendo processadas pelo compositor sob nossa própria ótica. Captada pela imaginação e introduzida em nosso mundo auditivo, a música fica capturada como um gênio na garrafa. Quando é solta, torna-se ora nossa escrava, ora nossa soberana.” (excerto extraído do livro O Tao da Música)
 
Portanto, abra a garrafa e solte-a para ouvi-la. Escolha qualquer uma das QUATRO ESTAÇÕES, a que mais preferir.
Escolhemos a “PRIMAVERA” de Vivaldi (10’20’’), para fazer par com a outra, porque é essa estação, conforme se vê da letra do samba, a mais reverenciada, pelo que se observa no refrão.
Boa audição!
Parabéns a todos os compositores!
 
E para os que quiserem ouvir as demais estações do ano, na criação de Vivaldi, deixem o vídeo rolar, pois ele dura 42 minutos.

 
 
 
 
Four Seasons – Vivaldi
 
 
 
 
 
Cântico à Natureza (As Quatro Estações)
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 13 de junho de 2013


DIÁRIO DE UM POETA


O que é um diário?

Marina Colasanti, em seu livro Uma Nova Mulher, indaga se um diário seria um amigo ou uma companhia. Também é isso. E acrescenta a autora:

“Mas é, sobretudo, uma duplicação da gente mesma, espelho que não se apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva muito mais que um belo sorriso e a paisagem ao fundo”. E ela prossegue descrevendo os benefícios de um diário.

“A verdade é que um diário não pode ser lido por ninguém, a não ser pelo autor. E só será válido se escrito despreocupadamente, as coisas ditas às claras, sem metáforas ou jogos verbais criados para encobrir verdades a olhos curiosos.”


Agora, para José Saramago, em Cadernos de Lanzarote, a definição para diário é a que segue:

“Por muito que se diga, um diário não é um confessionário, um diário não passa de um modo incipiente de fazer ficção. Talvez pudesse chegar mesmo a ser um romance se a função da sua única personagem não fosse a de encobrir a pessoa do autor, servir-lhe de disfarce, de parapeito. Tanto no que declara como no que reserva, só aparentemente é que ela coincide com ele. De um diário se pode dizer que a parte protege o todo, o simples oculta o complexo. O rosto mostrado pergunta dissimuladamente: Sabeis quem sou?, e não só não espera resposta, como não está a pensar em dá-la.”

Para um poeta a definição acima é bastante adequada. É o que se depreende da leitura do poema/letra, de autoria de Chico Buarque de Holanda, Querido Diário, uma das músicas de seu mais novo CD.

Após ler inúmeras interpretações acerca da letra, desde aquelas que, ainda, vislumbram um viés político, àquelas outras que depreciam o poeta/compositor, colocando-o ao rés da mediocridade e sob o peso da decrepitude, filio-me àqueles outros que o enxergam como alguém que ainda acrescenta qualidade às letras da nossa música popular brasileira.

E por que esse alvoroço?

Porque o autor da letra usou, no décimo segundo verso, a expressão:

-“Amar uma mulher sem orifício”.

Valendo-me do conceito de Saramago, o tal diário do Chico, com seus versos metafóricos, aparentemente simples em seu conteúdo, ocultaria o complexo, protegeria o todo através das verdades ditas a conta-gotas. E a ele, autor, não interessaria se estão a entender ou não. O que quer é jorrar verdades que, com certeza, espelham nossas próprias dificuldades. Principalmente, quando a idade chega inexoravelmente, mostrando a cara sem enfeites. Porém, para um poeta isso ainda será mote para muita poesia. E é o que fez Chico, como sempre, de forma magistral, possibilitando interpretações diversas. E é isso que universaliza o texto, que o torna por demais humano, pois se amolda a qualquer um de nós.

À semelhança de uma quadra, construída em 5 estrofes de 4 versos cada, com rima alternada, vai sobrepondo imagens de uma realidade que se apresenta a cada dia (observe a expressão “Hoje”, usada repetidamente), exigindo-lhe uma reflexão diária , o que em nada o desmotiva ou arrefece o seu ímpeto de luta, quando afirma, quase num tom desafiador: “Mas eu não quebro”.

Constata, inicialmente, que seus conhecidos expressam um sentimento de pena, quando o encontram, por percebê-lo vivendo em solidão.

Arrastado pela cidade afora, vai, como todos, de roldão. Na volta para casa, porém, recolhe um cão de rua. Dar-lhe-á afeto? Receberá afeto? Não sabe, ainda. Logo depois, constata que esse ser lhe arranca um pedaço, de quando em quando. É! O amor é um sentimento que dá e exige. Talvez o olhar desse cão reforce mais ainda a constatação da solidão que o cerca. Com humanos, porém, o convívio é bem mais trabalhoso.

Busca, na caminhada, algo que lhe inspire ao sacrifício. Ter, quem sabe, uma religião a professar, com todos os seus símbolos, mártires e santos protetores. Quem sabe amar uma mulher sem orifício? Uma santa?

Não, acho que não é por aí. O autor também não acredita que esse seja o caminho.

Tanto que, de repente, afinal, conhece o amor. Constata, porém, que esse tal amor é difícil de entender. É, na verdade, uma obscura trama, como diz.

Chico, que dizem ser um grande conhecedor do universo feminino, em entrevista, transcrita abaixo, diz ser um desconhecedor do sexo dito frágil. Acredito nessa assertiva.

Ele não consegue entender, porque sem nunca bater nela (mulher) nem com uma flor, se ela vier a chorar, seu desejo, sua libido aflorará. Essa tal libido acordará, quando ele, ao vê-la chorar, pensar em protegê-la. Serão necessários gatilhos mais contundentes, de ora em diante, para tal despertar?

De qualquer maneira, quando o inimigo (?) (libido- porrete- símbolo fálico) vier espreitar, armando tocaia “pra mó de lhe quebrar”, vai avisando que não se quebra fácil, no máximo irá vergar-se. Porque é macio, viu? Não se desespera o poeta frente à incapacidade momentânea.

Pois o poeta, esse homem frente à solidão e às inúmeras carências que vão se somando à idade, busca alento, refúgio, companhia na figura de um cão que o afague com o olhar, de uma religião que o ampare ou de uma mulher sem orifício que, quem sabe, seja a solução.



Porém, encontra, ao final, aquela que o transforma. Aquela que lhe inflama o desejo.

Mas, digo eu, muito provavelmente, terá essa nova parceira que acompanhá-lo nas suas incertas e imprevisíveis investidas. Isso, se tiver orifício. Caso não tenha, até que seria uma solução. Depois de certo tempo de vida, o que interessa mesmo, para ambos, é o companheirismo, a amizade, a cumplicidade, o carinho, o zelo.

Talvez, finalmente, Chico passe a entender as mulheres.

Pois é, dentre tantas interpretações, essa é apenas mais uma.

VIU?

 
 

Ah! Ia esquecendo:

Para aqueles que criticaram o autor pela pobreza da rima sacrifício/orifício, acredito ser absolutamente ajustada. Tenho para mim que esse casal de Adão e Eva vai ter que encontrar outro “approach”, porque esse já se esgotou. Depois de certo tempo na estrada, alguns prazeres passam a ser um problema, quase um sacrifício.

 
 
 
 
 
Bastidores da gravação da música Querido Diário - Chico Buarque 
 
 
 Chico Buarque e a Internet – Velho e Bêbado
 
 
 
Chico Buarque – o desconhecedor de mulheres