sexta-feira, 17 de maio de 2013


DE PORTAS E... DE ESCADAS

 
Um pátio abaixo do nível da rua. Lá, no fundo, uma casa cor-de-rosa: a casa de infância de Rosinha. Entre o muro da casa e a rua, mais ao alto, uma escada. Poucos degraus, mas respeitados pela menininha que, vez por outra, alçava-os. Não ultrapassando o quinto degrau. Era ordem da mãe: não ultrapassar além desse degrau. A cabeça espichada e o olhar alongado divisavam a rua e o lado contrário dela. E lá, para espanto de Rosinha, as escadas existentes eram todas de descida para a rua. Do outro lado, os terrenos ficavam um pouco acima da rua.

Isso despertava certa surpresa e fazia a imaginação correr solta. Como seria morar do outro lado da rua? Quando fosse sair pelo portão do muro da casa, teria que descer a escada e não subir, como do lado em que morava.

Uma escada para subir, que Rosinha só se aventurava até o quinto degrau. Do outro lado, uma escada para descer para a rua. Que gozado!

Um dia, desrespeitando todos os avisos, subiu até o último degrau, o décimo. Um grito, porém, fez com que descesse, às pressas, até o degrau permitido. E, de lá, divisou a vizinha da tal casa, descendo os degraus do seu portão, enquanto acenava para que a menininha não atravessasse a rua. Rosinha não ia fazer isso. A mãe não vira a cena.

Nos breves instantes em que no topo permaneceu, descobriu que escadas são feitas para subir e descer. No seu quarto ano de vida, descobriu que elas, as escadas, têm grande serventia. Com o tempo, com as pessoas e com as leituras descobriu, também, que elas nos elevam ou nos rebaixam, metaforicamente falando. Tudo depende dos valores com que somos forjados. E, muitas vezes, é preciso não transigir, para nos manter íntegros na postura moral. Escadas galgadas podem nos enobrecer ou nos aviltar. E, nesse último caso, a subida pode ser desastrosa.

Há, por fim, aquela outra escada, a última, que nos conduz ao reino dos céus. Mas lá, talvez, esbarremos numa porta.

Agora, o poeta Vinícius de Moraes, em seu poema A PORTA, musicado por Toquinho, diz estar ela sempre aberta. Aqui, embaixo, ela serviria para abrir e fechar. Lá, aberta que está sempre, seria um convite a que entrássemos.

Resta saber se subimos escadas, degrau por degrau, sem eliminar, sem “derrubar” companheiros que também estão a percorrer a mesma jornada.

Escadas e portas têm inúmeras serventias.

Por aqui, as primeiras nos auxiliam a galgar obstáculos até alcançarmos a última, a que nos conduzirá àquela porta: a que está sempre aberta, para que entremos.

Será mesmo assim?

Rosinha, depois de tanta leitura e análise, quer crer que assim seja.

Amém!

 

A Porta – Vinícius de Moraes
 
 
 
Quanta poesia expressa em palavras tão singelas, mas que fazem de uma porta um ser vivo. Porque para a poesia uma escada pode ligar dois mundos, assim como uma porta pode dar-se ao luxo de estar sempre aberta.

Não esqueçamos que POESIA não tem lado certo ou errado. Ela é todos os lados. Porque ela é a expressão do ser humano em toda a sua diversidade, complexidade e também singeleza e simplicidade. Ela serve para sensibilizar, para encantar, para humanizar. Em última análise, para causar prazer estético. E isso é que nos faz crescer.

Exige, por vezes, certo treino, mas vale a pena. A tudo o leitor deverá estar atento: desde as recorrências vocabulares, as aliterações, as assonâncias, como também o ritmo, a métrica ou o verso livre. Ao comum dos leitores, porém, nada disso importa. Se todo esse trabalho de juntar palavras de forma artística contiver, ao mesmo tempo, uma possibilidade singela de apreensão do significado e uma sonoridade rítmica agradável, o leitor dessa poesia estará cativo e o poeta terá conseguido o seu intento.

A POESIA é a escada que nos conduz a patamares mais elevados como seres pensantes. Sob diversas apresentações, a tudo e a todos abarca, devolvendo-nos o produto pronto para ser consumido sem moderação.




 
 



 Chico Buarque – Ode aos Ratos (Carioca ao Vivo)
(exemplo de aliteração pela consonância – repetição do som de uma consoante)

 
 
 

 

domingo, 12 de maio de 2013


MÃE: AMOR, CARINHO, REFÚGIO E PROTEÇÃO


Circula, circula, circula sem parar. Necessidade de se ocupar. Aquela sensação de abandono. Onde estará mamãe?

O poço é alto, bem alto. O tamanho é tão grande que seu olhar não consegue enxergar o lado contrário. Por que caminha sem parar? Caminha ao redor do poço, não ao longo do pátio. Por quê? O que representaria o poço? Um círculo onde não há começo, nem fim. A perda da mãe é o sentimento primeiro e o fim não se apresenta. Há um temor pelo fim. Daquele movimento do caminhar em círculo subjaz um devir, tal qual na Terra. À noite sucede o dia, o frio ao calor. É um devir constante. E é ele que mantém acesa a esperança. Alternam-se tempestade e bonança. Não tem fim o devir, por isso se mantém. É a impermanência de tudo, é a permanência do devir. É a possibilidade de a mãe chegar a qualquer momento. É a espera da chegada.

Mas àquela criança, naqueles instantes, interessa apenas saber onde estará sua mãe.

Repentinamente, saíra do universo de seus brinquedos e seres imaginários e não encontrara sua proteção, seu refúgio, sua mãe. Chorar pra quê? Naquele momento, o importante é ocupar-se, não se desesperar. Claro, nada disso é consciente. Seu ir e vir em derredor, também não.

Quantos minutos se passaram? Impossível saber, não só pela intensidade da emoção do abandono, como pela angústia do andar em círculo ao redor do poço, única referência concreta. A obsessão do andar em círculos é que mantém a esperança do repentino encontro. Espaço reduzido em redor do poço. Tempo suspenso pela emoção profunda da perda.

De repente, vislumbra a imagem da mãe chegando. Como que se desfazem todas as engrenagens de ir e vir, como que se escondem, com um safanão, todos os medos, angústias, como que se desarmam todos os gatilhos da autossobrevivência. O círculo desfaz-se. A linha agora é de direção reta, a largos passos ao encontro da mãe, que sorri surpresa com o susto ocasionado.


O POÇO
(Uma homenagem a minha mãe)




Mãe é símbolo de proteção que se carrega por toda a vida e da qual nunca se prescinde de todo. Que o diga Carlos Drummond de Andrade com o seu poema PARA SEMPRE, onde se Rei do Mundo fosse baixaria uma lei que teria, digo eu, um único artigo, a saber:

- Mãe não morre nunca.

Ou ainda como o nosso Mário Quintana que, em seu poema MÃE, compara a palavra céu, onde cabe o infinito, à palavra mãe, que também é do tamanho do céu, em número de letras, apenas perdendo em tamanho para Deus. Tamanho da palavra, ou tamanho em importância? Nunca saberemos, nem importa.

Demos a ela, não apenas no seu dia, mas em todos os dias, o nosso bem-querer porque, ainda segundo Quintana, nunca há de ser tão grande como o bem que ela nos quer.


 



Minha Mãe – Balão Mágico

 
Choro de Mãe - Wagner Tiso

 
Um Feliz Dia das Mães a todas nós.
(inclusive àquelas que deram todo o seu amor ao filho de outra mulher, cuidando-o e protegendo-o ao longo da vida, embora não o tendo concebido)






 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

VERDE QUE TE QUERO VERDE, “BEM VERDINHO”

Não importa muito a hora, nem o lugar. Sempre é hora pra quem curte esse fiel companheiro. Aquele parceiro que não tem ciúme se você o desfruta com outrem ou, se na roda, ele passa de mão em mão. E você, sendo o primeiro a senti-lo, não se importa de dividi-lo com tantos outros que, porventura, forem se achegando. Em cada sorvo, um momento de reflexão, uma conversa consigo próprio. E, quando um ronco se ouvir, um novo momento já estará a surgir. Reflexões e pensamentos escorrerão conversa afora, quando outro companheiro estiver sorvendo pela biqueira, na mesma bomba, a mesma seiva verde, bem verdinha.
 
Hábito agregador, a roda do chimarrão escancara palavras, pensamentos, amores, causos. É terapia entre aqueles que se dispõem a usufruí-lo com sabedoria. Sem, é claro, os inconvenientes dos que se atiram ao álcool ou, quem sabe, ao facebook. Um, pela dependência física que pode gerar, quando usado em excesso. O que, não raras vezes, acaba acontecendo ao longo dos anos. O outro, pela exposição ao mundo, ao coletivo, e não ao pequeno grupo, geralmente constante e amigo.
 
Agora, é também excelente terapia para aqueles gaúchos que andam mais extraviados que filhos de perdiz, ou aquele que anda extraviado “das ideias”. Nada como um bom mate pra “sentar as ideias”. É um companheiro fiel para as horas de solidão. É terapia barata e que dá bom resultado.

A sessão terapêutica já começa no preparo do mate. Escolhidos os avios (cuia, bomba, erva mate bem verdinha) pelo vivente, dá-se início ao ritual. Essa etapa já vai preparando o espírito para o que vem a seguir. Não vamos aqui ensinar como fazer um mate, nem como encilhá-lo, o que demanda certa habilidade. Para isso, acesse o material que segue abaixo.

Hoje, o que nos interessa é relembrar o dia 24 de abril como o Dia do Chimarrão.

Homenageá-lo, cultuá-lo como uma tradição nossa, que permanece até os dias atuais com reconhecida importância.
 
Tenho para mim que são, justamente, os momentos de reflexão que ele proporciona que o mantém tão vivo, tomado em grupo ou solitariamente.
 
É uma espécie de amigo de todas as horas.
 
Pasmem! Inclusive no momento de um assalto estava ele lá, presente. Uma cuia cheia de chimarrão foi arremessada sobre um assaltante. Esse ato forneceu os segundos necessários a que a vítima, um caminhoneiro que descansava no interior do veículo, tomando um mate “amigo”, gritasse por socorro. Acudido por outros colegas caminhoneiros, que estavam próximos, safou-se do assalto e, quem sabe, de ser morto. O bandido, assustado, fugiu sem levar nada. 



Parafraseando o verso VERDE QUE TE QUERO VERDE, do célebre poema Romance Sonâmbulo, da obra Romancero Gitano (1924-1927), do poeta espanhol Federico García Lorca, para VERDE QUE TE QUERO VERDE, "BEM VERDINHO", adotamos, esse último, como título dessa despretensiosa crônica.

Nesse famoso poema, o tempo é figura que subjaz ao fazer poético. Observa-se a importância do tempo na vida do indivíduo: sua inexorabilidade.

Com García Lorca, o tempo se sucede em formas, imagens, sensações, que deságuam com o fim da amada e com o seu próprio, trágico e precoce.

Com esse nosso matear dos pampas, também o tempo, mais ameno nesse caso, fornece o lapso necessário para pôr as ideias em ordem, para refletir sobre o tempo de cada um; para pensar sobre o viver, o amar, o sonhar, solidificando laços, renovando-se. E, inclusive, ter em mãos o próprio tempo, o tempo necessário para revidar a agressão a que estava submetida a vítima de mais um assalto.


Meus caros!

É sempre tempo de matear!
 
Revigora o corpo e a mente.
 
Apascenta a alma.

Até percebe-se melhor o tempo passar.

E, quem sabe, até nos faça voar pra longe do tempo presente, levados pela aparente presença do nada.




 
 
 
 
 
Seiva de Vida e Paz – João Chagas Leite
 
 
Roda de Chimarrão e Nós – Osvaldir e Carlos Magrão