quinta-feira, 13 de junho de 2013


DIÁRIO DE UM POETA


O que é um diário?

Marina Colasanti, em seu livro Uma Nova Mulher, indaga se um diário seria um amigo ou uma companhia. Também é isso. E acrescenta a autora:

“Mas é, sobretudo, uma duplicação da gente mesma, espelho que não se apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva muito mais que um belo sorriso e a paisagem ao fundo”. E ela prossegue descrevendo os benefícios de um diário.

“A verdade é que um diário não pode ser lido por ninguém, a não ser pelo autor. E só será válido se escrito despreocupadamente, as coisas ditas às claras, sem metáforas ou jogos verbais criados para encobrir verdades a olhos curiosos.”


Agora, para José Saramago, em Cadernos de Lanzarote, a definição para diário é a que segue:

“Por muito que se diga, um diário não é um confessionário, um diário não passa de um modo incipiente de fazer ficção. Talvez pudesse chegar mesmo a ser um romance se a função da sua única personagem não fosse a de encobrir a pessoa do autor, servir-lhe de disfarce, de parapeito. Tanto no que declara como no que reserva, só aparentemente é que ela coincide com ele. De um diário se pode dizer que a parte protege o todo, o simples oculta o complexo. O rosto mostrado pergunta dissimuladamente: Sabeis quem sou?, e não só não espera resposta, como não está a pensar em dá-la.”

Para um poeta a definição acima é bastante adequada. É o que se depreende da leitura do poema/letra, de autoria de Chico Buarque de Holanda, Querido Diário, uma das músicas de seu mais novo CD.

Após ler inúmeras interpretações acerca da letra, desde aquelas que, ainda, vislumbram um viés político, àquelas outras que depreciam o poeta/compositor, colocando-o ao rés da mediocridade e sob o peso da decrepitude, filio-me àqueles outros que o enxergam como alguém que ainda acrescenta qualidade às letras da nossa música popular brasileira.

E por que esse alvoroço?

Porque o autor da letra usou, no décimo segundo verso, a expressão:

-“Amar uma mulher sem orifício”.

Valendo-me do conceito de Saramago, o tal diário do Chico, com seus versos metafóricos, aparentemente simples em seu conteúdo, ocultaria o complexo, protegeria o todo através das verdades ditas a conta-gotas. E a ele, autor, não interessaria se estão a entender ou não. O que quer é jorrar verdades que, com certeza, espelham nossas próprias dificuldades. Principalmente, quando a idade chega inexoravelmente, mostrando a cara sem enfeites. Porém, para um poeta isso ainda será mote para muita poesia. E é o que fez Chico, como sempre, de forma magistral, possibilitando interpretações diversas. E é isso que universaliza o texto, que o torna por demais humano, pois se amolda a qualquer um de nós.

À semelhança de uma quadra, construída em 5 estrofes de 4 versos cada, com rima alternada, vai sobrepondo imagens de uma realidade que se apresenta a cada dia (observe a expressão “Hoje”, usada repetidamente), exigindo-lhe uma reflexão diária , o que em nada o desmotiva ou arrefece o seu ímpeto de luta, quando afirma, quase num tom desafiador: “Mas eu não quebro”.

Constata, inicialmente, que seus conhecidos expressam um sentimento de pena, quando o encontram, por percebê-lo vivendo em solidão.

Arrastado pela cidade afora, vai, como todos, de roldão. Na volta para casa, porém, recolhe um cão de rua. Dar-lhe-á afeto? Receberá afeto? Não sabe, ainda. Logo depois, constata que esse ser lhe arranca um pedaço, de quando em quando. É! O amor é um sentimento que dá e exige. Talvez o olhar desse cão reforce mais ainda a constatação da solidão que o cerca. Com humanos, porém, o convívio é bem mais trabalhoso.

Busca, na caminhada, algo que lhe inspire ao sacrifício. Ter, quem sabe, uma religião a professar, com todos os seus símbolos, mártires e santos protetores. Quem sabe amar uma mulher sem orifício? Uma santa?

Não, acho que não é por aí. O autor também não acredita que esse seja o caminho.

Tanto que, de repente, afinal, conhece o amor. Constata, porém, que esse tal amor é difícil de entender. É, na verdade, uma obscura trama, como diz.

Chico, que dizem ser um grande conhecedor do universo feminino, em entrevista, transcrita abaixo, diz ser um desconhecedor do sexo dito frágil. Acredito nessa assertiva.

Ele não consegue entender, porque sem nunca bater nela (mulher) nem com uma flor, se ela vier a chorar, seu desejo, sua libido aflorará. Essa tal libido acordará, quando ele, ao vê-la chorar, pensar em protegê-la. Serão necessários gatilhos mais contundentes, de ora em diante, para tal despertar?

De qualquer maneira, quando o inimigo (?) (libido- porrete- símbolo fálico) vier espreitar, armando tocaia “pra mó de lhe quebrar”, vai avisando que não se quebra fácil, no máximo irá vergar-se. Porque é macio, viu? Não se desespera o poeta frente à incapacidade momentânea.

Pois o poeta, esse homem frente à solidão e às inúmeras carências que vão se somando à idade, busca alento, refúgio, companhia na figura de um cão que o afague com o olhar, de uma religião que o ampare ou de uma mulher sem orifício que, quem sabe, seja a solução.



Porém, encontra, ao final, aquela que o transforma. Aquela que lhe inflama o desejo.

Mas, digo eu, muito provavelmente, terá essa nova parceira que acompanhá-lo nas suas incertas e imprevisíveis investidas. Isso, se tiver orifício. Caso não tenha, até que seria uma solução. Depois de certo tempo de vida, o que interessa mesmo, para ambos, é o companheirismo, a amizade, a cumplicidade, o carinho, o zelo.

Talvez, finalmente, Chico passe a entender as mulheres.

Pois é, dentre tantas interpretações, essa é apenas mais uma.

VIU?

 
 

Ah! Ia esquecendo:

Para aqueles que criticaram o autor pela pobreza da rima sacrifício/orifício, acredito ser absolutamente ajustada. Tenho para mim que esse casal de Adão e Eva vai ter que encontrar outro “approach”, porque esse já se esgotou. Depois de certo tempo na estrada, alguns prazeres passam a ser um problema, quase um sacrifício.

 
 
 
 
 
Bastidores da gravação da música Querido Diário - Chico Buarque 
 
 
 Chico Buarque e a Internet – Velho e Bêbado
 
 
 
Chico Buarque – o desconhecedor de mulheres 
 
 
 
 
 
 
 
 

sexta-feira, 7 de junho de 2013


APESAR DE TUDO 


Rolam notícias de todos os cantos do mundo e por todos os meios de veiculação possível. É quase um tsunami diário. E a maioria, invariavelmente, de conteúdo negativo, que em nada estimulam ou favorecem o nosso viver diário. São os homens destruindo a natureza, como um todo, entredevorando-se, socialmente falando, matando, esfolando, estuprando, ludibriando, corrompendo, disseminando venenos por todos os lados (alimentação, sementes, drogas lícitas e ilícitas, poluição em todos os níveis).

Acordar-se, pela manhã, e acreditar que, apesar de tudo, vale a pena encarar mais um dia, é fundamental para um viver equilibrado e satisfatório.

Se os conglomerados financeiros dominantes fizerem as Bolsas caírem ou subirem, nada disso modifica a vida do Francisco, vigia que cuida do supermercado. Parece que se a economia estiver indo bem, segundo os maiores interessados na sua divulgação, os governantes, Francisco sofrerá os impactos positivos dessa aparente estabilidade. Isso é pura falácia. A verdade é que pouco do que ele percebe ao seu redor tem modificado para melhor. Suas necessidades básicas continuam carentes de atendimento satisfatório.

Então, todas as suas carências, somadas à avalanche de notícias negativas, vindas de todos os lados, acarreta-lhe a necessidade de um esforço redobrado a cada manhã. Levantar-se e, apesar de tudo, continuar com a esperança de que as coisas vão melhorar. Jogar para o futuro o que, por ora, está difícil de vislumbrar.

Acredito que, nesse instante, as combinações genéticas presentes no DNA é que falarão mais alto. Que bom se todas elas tendessem ao bem, ao correto e que estivessem a serviço da força interior, que deve animar o nosso corpo, bem como da luz que, igualmente, deve nos iluminar durante essa jornada.

Pois é desse tipo de DNA que iremos falar.

José Luiz Camboim Moni, que vive embaixo de um viaduto da BR116, em Esteio, é um fruto que, ao que parece, deu certo. Demonstra garra ao apegar-se àquilo que encontra ao seu dispor, a saber: conseguir estar entre os primeiros alunos de sua classe, com excelentes notas, cursando a 8ª série da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ezequiel Nunes Filho, em Esteio. A mãe presente, nas mesmas circunstâncias de vida, é importante para o seu desenvolvimento. As condições em que vivem são bastante ruins: sob um viaduto, num constante barulho de um trânsito pesado e sob uma poluição, também constante. A reportagem, transcrita abaixo, revela detalhes da situação em que se encontram.

A partir da reportagem publicada em Zero Hora, na data de 05 de junho, a TVCOM levou ao ar uma entrevista, que pode ser acessada abaixo, com a jornalista Kamila Almeida e o fotógrafo Tadeu Vilani, autores da matéria.

Presente ao encontro, o ex-menino de rua Jorge Luis Martins, que viveu, conforme relato próprio, em situação de constante risco, absolutamente sozinho em nossa Capital, desde os 10 anos de idade.

Os pais de Jorge já não existiam mais há algum tempo e a avó que lhe dava apoio, acabou também por falecer, quando ele tinha apenas 10 anos de idade. É, também, um relato comovente e que a todos deveria motivar para que se tentasse encontrar soluções para tão graves situações existentes ao nosso redor.

Em uma ou outra situação, observa-se a presença de um familiar que é, no caso de José, ou foi, no caso de Jorge, figura importante na transmissão de valores. No caso de Jorge, a promessa à avó, em seu leito amparado por quatro tijolos, segundo suas próprias palavras, de que seria um homem de bem e alguém na vida, a partir de três valores: respeito, vergonha e trabalho. Diz, ainda, que agradece a Deus por ter chegado aonde chegou, mantendo a saúde mental.

Agora, é inquestionável que uma força maior, uma força interior, que extrapola todo e qualquer auxílio externo, acompanha a caminhada de alguns desses guerreiros do asfalto.

Isso, por outro lado, não nos desobriga como cidadãos a exigir a implantação de políticas que deem apoio a essas verdadeiras cruzadas “solitárias” em busca de sobrevivência digna.

No caso de Jorge, hoje adulto, escritor, corretor de imóveis, ator, possuindo uma locadora de veículos, ainda estudando, sua luta está registrada em livros, o que o credencia a dar palestras em escolas, levando a sua história a quem dela precisa como estímulo a vencer as dificuldades que, com certeza, são infinitamente menores do que foram as do palestrante.

Com José, acontecerá o mesmo. Num futuro, servirá de exemplo a outros tantos menores que vivem nessas condições precárias, por absoluta inércia de uma sociedade tíbia em exigir que o Estado concretize ações efetivas no encaminhamento, pelo menos, daqueles em que a luz interior ainda brilha intensamente, apesar de tudo. Aliás, José já é um vitorioso e um exemplo a tantos outros que, embora em condições privilegiadas, não se esforçam como ele, que recebeu diploma de melhor aluno do ano de 2012.


Parabéns ao José!

Fica o aplauso às pessoas que se sensibilizaram com o caso presente. Isso, porém, ainda é muito pouco. Restam muitos outros que já se encontram em completa escuridão.

Parabéns aos autores da matéria jornalística.

 
OLHARES QUE BUSCAM SÃO OLHARES QUE ENXERGAM.

POR ISSO, ENCONTRAM.


E isso faz toda a diferença.





 Menor Abandonado - Zeca Pagodinho
 
 
 

quarta-feira, 29 de maio de 2013


DE BOSQUES, PALMEIRAS, SABIÁS E... COQUINHOS

 
O som lembra o de aviões prontos para decolar. Um grid de largada para ninguém botar defeito: ali presentes os melhores. E a cidade a recepcioná-los. Um vasto lago como cenário, vias bloqueadas e um circuito, há tempo imaginado, para celebrar a festa da velocidade. Que cidade moderna! Tudo muito cul (cool) e, especialmente, clin (clean).

Agora, na verdade, faltam poucos detalhes. Aqueles entraves que perturbavam já foram, finalmente, removidos. Com isso até o lago saiu ganhando. A seiva, qual lágrima, que escorreu daquelas espécies em extinção junto ao lago, talvez tenha ajudado a encher, um pouco mais, o nosso reservatório. O que não se sabe é se a seiva, na escuridão da noite, escorreu para o lado certo, isto é, em direção ao lago. Alguma coisa, provavelmente, tenha se perdido. Quem sabe, encontrou pelo caminho algum gramado que a acolheu, benfazejo.

As espécies em extinção extinguiram-se novamente, uma vez mais. Com elas, também os gorjeios.

Mas o que isso importa? Temos os roncos dos motores, o início e a chegada, triunfante, das máquinas mais velozes. E elas, ao que se tem notícia, não tardarão a aparecer quando a Fórmula Indy aportar por aqui. Protocolo de Intenções já foi assinado em 2011, inclusive com um traçado planejado para a corrida, já esboçado.

Com o quê e para que nos preocuparmos, então.

Afinal, temos que dar um apigreide (upgrade) no nosso dia a dia. Tudo anda muito monótono: uma mesmice.

Por que manter uma paisagem que descansa o olhar? Para que uma sombra acolhedora, se posso espichar a cabeça para fora do carro e receber um “ventinho” no rosto que é puro gás nocivo.

Aliás, querem coisa mais antiquada do que bosques, palmeiras, flores, sabiás e ninhos?

Ah! Eu ia me esquecendo. Estamos vivendo em cidades. Nada disso é necessário. No máximo, uma pracinha com brinquedos e uma ou outra árvore para adorno. Porque para quem quer mesmo refrescar-se, vá ao xopin (shopping) mais próximo. Lá tem de tudo, até sombra de mentirinha. Algumas parecem ser verdadeiras. Devem ser transgênicas, coitadas. Quero dizer, coitados somos nós!

Gonçalves Dias, em sua Canção do Exílio, despeja poesia de louvor à pátria. Tão famosos tornaram-se seus versos que, dois deles, foram copiados e introduzidos, por Osório Duque Estrada, em 1909, autor da letra do Hino Nacional Brasileiro, como parte do hino, aparecendo entre aspas:

 
 
“Nossos bosques têm mais vida”,

“Nossa vida” no teu seio “mais amores”.

 

Verseja também o poeta sobre as palmeiras onde cantam os sabiás. Esse seu poema, transcrito abaixo, tornou-se um dos mais citados na literatura brasileira, bem como na nossa música popular brasileira.

Na literatura, vários poetas versejaram, sob o mesmo título, enaltecendo as belezas naturais do país, em especial, as palmeiras e os sabiás.

Gilberto Gil, ainda nos tempos da Tropicália, grava composição sua em parceria com Torquato Neto, onde faz referência à Canção do Exílio. Diz ele:

“Minha terra tem palmeiras/ onde sopra o vento forte da fome/ do medo e muito principalmente da morte”.

E não poderíamos deixar de lembrar a conhecida canção Sabiá, de Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, que diz:

“Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/ para o meu lugar/ foi lá e ainda é lá/ que eu hei de ouvir uma sabiá”. E mais adiante:

“Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/ vou deitar à sombra de uma palmeira/ que já não há/ colher a flor/ que já não dá/ e algum amor talvez possa espantar/ as noites que eu não queira/ e anunciar o dia”.


Canção essa em que o sabiá e a palmeira identificam a saudade que acometeu, à época, os exilados políticos.

 
 
 
Tudo isso dito acima para deplorar a atitude de desprezo com que o nosso meio ambiente vem sendo tratado.

Ah! Ia esquecendo, novamente, que estamos vivendo na cidade e não no campo.

Mas há quem afirme, pelo menos assim circula a notícia, que seu sonho é um mundo sem árvores. Pode?

Pode! Disse também o ilustre Senador:

“Esses radicais querem que o país volte a ser uma floresta só e que vivamos pendurados em árvores, comendo coquinhos por aí, como Adão e Eva”.

Esse cidadão é o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal. E é, também, o maior produtor de soja do Brasil. Que tal?

Resta-nos apenas lamentar tão desastrada afirmação. Renato Russo, já na década de 80, do século passado, compôs o conhecido Que País é Esse?

Urge que se atualize tal letra, porque as coisas só pioraram.

Quanto a nossa cidade e ao nosso lago, há que se fique atento. Os níveis de poluição, pelo ar e água, aumentam a cada dia. De repente, nem água de boa qualidade mais teremos.

É isso, por ora.

 
 
Não falemos da extração de areia que ronda e se avizinha. Tudo caminhando a passos céleres. 



QUERERES ( I )

Ah! Sombra que te quero tanto!

Ao teu pé, preciso perder-me a olhar este pôr de sol tão nosso.

Vê-lo, não envolto em névoa que engole a todos.

Preciso mantê-lo vivo e claro como o olhar de criança.

Preciso orná-lo com uma moldura de contornos verdejantes.

Tudo para contrastar com um lago, que ainda sonho, despoluído.

Nem precisa ser azul.

Basta ser pincelado com o verde das árvores que dele fazem espelho.

Soninha Athayde



 
 
 
 
 
 
 
 
Sabiá - Chico Buarque e Tom Jobim
 
 
  O Ano Passado - Roberto Carlos