segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

SEM ELE? QUE CHATICE!


A nossa música e grande parte de nossa produção poética repousam nessa característica que, acredito eu, é bem brasileira: o humor.

E isso vem de longa data. Já Gregório de Matos Guerra, o conhecido “Boca do Inferno”, poeta barroco baiano, apelava para o humor e para a sátira em seus versos que sacudiam a sua cidade natal. Ficou reconhecido mais pela produção satírica do que pela lírica.

Embora pertencente à classe dominante, criticava pesadamente a sociedade baiana do final do século XII. Sua poesia batia forte contra as autoridades constituídas e a incompetência dos poderosos, tanto os de lá (Portugal), quanto os de cá. Exemplos dessa poesia são os poemas que seguem:
 

 

 
E ainda:
 
 
Ou ainda trechos do poema EPÍLOGOS:
 
Que falta nesta cidade? ..................Verdade.
Que mais por sua desonra? ............Honra.
Falta mais que se lhe ponha?..........Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
.............................................................................
E que Justiça a resguarda?...............Bastarda.
É grátis distribuída?.........................Vendida.
Que tem, que a todos assusta?.........Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
...........................................................................
O açúcar já se acabou? .....................Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?..................Subiu.
Logo já convalesceu?.........................Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece,
Cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, morreu.
............................................................................
A Câmara não acode?...........................Não pode.
Pois não tem todo o poder?...................Não quer.
É que o Governo a convence?................Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
 
 
E não falemos dos poemas em que usa palavrões, recorrendo a imagens pesadas.
Mas o que nos interessa com relação a Gregório de Matos, nessa data, é que ele possuía humor nas suas criações e que, já à época, denunciava a corrupção que grassava. Inclusive, fez “versos à lira” em violas de arame, compondo lundus. Portanto, é considerado um precursor do nosso cancioneiro. Do lundu surgiram as marchinhas, o chorinho, o baião e o nosso homenageado de hoje: o SAMBA.
O samba que nos identifica como brasileiro onde estejamos. Suas raízes encontram-se no Brasil Colonial, época de Gregório de Matos e da chegada da mão de obra escrava em nosso país.
Daquela época até os dias atuais, o samba sofreu influências variadas, conforme o meio em que se desenvolveu. Da mesma forma, estilos diversos de sambas apareceram. Samba de breque, samba de partido alto, samba-enredo, samba canção, samba exaltação, samba de gafieira, samba carnavalesco, o pagode, todos são exemplos de variantes do nosso samba. E sem esquecermos a bossa-nova, movimento que nos fez conhecidos pelo mundo afora e que utiliza também o samba de breque, mais sincopado.
Uma coisa, porém, permanece até hoje: a capacidade de nos fazer movimentar e, quando de cunho social ou, mesmo romântico, nos fazer refletir. E o humor, geralmente, está lá a compensar as agruras das letras, espelhando a realidade social com a qual seus criadores convivem ou conviveram. Noel Rosa é exemplo de humor e ironia ao falar de coisas sérias. O sambista Cartola expressou a importância de Noel quando compôs esses versos:
“Era o rei da filosofia/Fez da musa o que queria/Zombou da inspiração/Os seus versos ritmados/Por ele mesmo cantados/Tinham bela entoação”.
E os sambas de Bezerra da Silva, de grande atualidade, que lembram muito Gregório de Matos. Imaginem! Épocas distantes e temas tão iguais.
Existirá alguma saída para problemas tão enraizados?
Na dúvida, fiquemos com ele, pois, com ou sem humor, ele nos consola, nos embala, nos acaricia, nos enaltece, nos identifica como um povo cujas mazelas encontram voz em um cancioneiro que compensa esse arrastar de desmandos, injustiças e desvios de todo o tipo.
E pra esquecer as mágoas, nada melhor do que assistir a alguns vídeos históricos em que Sua Majestade, o Samba, reina cercado por seus fiéis seguidores.
Comecemos, então, pelo primeiro samba gravado no Brasil, no ano de 1917, que se chamava PELO TELEFONE dos autores Mauro de Almeida e Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, cantado por esse último, acompanhado por Chico Buarque de Hollanda num vídeo, no distante ano de 1966. Há controvérsias sobre a autoria do dito samba, embora tenha sido registrado na Biblioteca Nacional, em 1916, como sendo de Donga.
Outro dado curioso sobre o tal samba são os seus versos iniciais.
Vejam e comparem:
“O chefe da folia pelo telefone mandou avisar/Que com alegria não se questione para se brincar/O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar/Que na Carioca tem uma roleta para se jogar”. Ao que parece, a segunda versão foi a que ganhou popularidade e se mantém até hoje. Tais versos satirizam ordens que teriam sido dadas pelo Chefe da Polícia do Rio de Janeiro aos seus subordinados, para que informassem, “antes por telefone”, aos infratores de que haveria apreensão do material usado no jogo.
O fato é que esse samba permanece até hoje como o marco inicial desse ritmo tão nosso, tão verde-amarelo.
Bom divertimento!

VIVA O DIA NACIONAL DO SAMBA!


 
 

 

Samba Pelo Telefone – Donga e Chico Buarque
 
 
 
Samba O Vírus da Corrupção – Bezerra da Silva
 
 
Lupicínio Rodrigues – Pot-pourri
 
 
Samba Aquarela do Brasil - Gal Costa
 
 
 
Na Subida do Morro - Roberto Carlos e Moreira da Silva
 
 
 
 Os Três Malandros in Concert – Dicró, Moreira e Bezerra
 
 
 
Partido Alto - Arlindo Cruz com Zeca Pagodinho
 
 
 
Partido Alto – Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha
 
 
 
Zeca Pagodinho e Anjos da Lua interpretam Noel Rosa 
 
 
 
Foi um Rio que Passou em Minha Vida - Paulinho da Viola e Velha Guarda da Portela
 
 
 
Acontece  - Cartola e Paulinho da Viola
 
 
 
Garota de Ipanema – Roberto Carlos e Caetano Veloso 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 23 de novembro de 2013

GRADES INVISÍVEIS

Você é prisioneiro e nem suspeita. E o mais aterrador é exatamente isso: não se dar por conta.
Você está diuturnamente ligado. Até quando dorme, o seu entorno mantém-se conectado. Há quem diga que seus dedos, em pleno sono, são, por vezes, vistos a deslizar sobre o lençol na busca incessante da conexão. Há quem já esteja próximo do ser “autômato”, aquele descrito por George Orwell.
E o pior é que essa contínua conexão, que começa precocemente, prima pela pura diversão, pelo simples entretenimento.
Como esse ser irá adquirir cultura, aquele ingrediente que o tornará diferenciado e não apenas uma mera reprodução do coletivo de que faz parte em número, porém, não necessariamente em pensamento, em virtudes, em sensibilidade, em imaginação?
Como se pode adquirir cultura sem ler uma obra literária?
Como aguçar a sensibilidade para a música sem apreciá-la? Será que é suficiente, para tanto, ouvi-la como fundo de uma conversa pelo facebook, que, por sua vez, usa uma linguagem quase criptográfica?
Reflexão é coisa que se adquire após um tempo suficiente de amadurecimento obtido através de leituras e não em bate-papos pelo face.
Qual o futuro de um jovem que permanece sete horas em frente a uma tela, apenas divertindo-se, jogando, digitando letras desconexas que expressam sentimentos de alegria, prazer, raiva, descontentamento?
Há que ter presente a indiscutível importância da tecnologia da informação como ferramenta auxiliar do conhecimento. Nunca, porém, como base para uma sólida formação. Isso, claro, se estivermos interessados em capacitar os jovens a assumirem o papel que lhes cabe, qual seja o de transformar, para melhor, as sociedades as quais pertencem.
Agora, se esse não for o propósito, acredito que essa tecnologia poderá estar a serviço da criação de hordas de seres que absolutamente não pensariam, pois o pensar, ato que distingue o ser humano dos demais, estaria totalmente refém do inconsciente. Essa é a chamada sociedade Ingsoc, vislumbrada por Orwell em seu livro 1984, onde sistemas sofisticados, aparentemente não totalitários, poderão conduzir-nos a perdas de conquistas humanas que levaram séculos para se constituírem. Aliás, um livro escrito em 1948 e profundamente atual.
Qual de nós não pensa na linguagem da Internet ao se deparar com o vocabulário da Novilíngua?
Quem não se enxerga no duplipensar, quando vê mudanças repentinas de posições ideologicamente contrárias e que a nós passam a tornarem-se legítimas, tão legítimas que podemos adotá-las, conforme as conveniências do momento, de uma forma ou de outra?
Quem não se assusta ao ver os “Proles” de 1984 serem, hoje, uma expressiva fatia da humanidade, cujas opiniões ou a ausência delas é absolutamente indiferente para o “establishment”?
Há sempre o risco de esses usuários tornarem-se tão despreparados, tão vulneráveis à realidade que exige conhecimento, competência, espírito crítico nas escolhas, que ao abrir-se a porta dessa grade que os aprisiona, não consigam por ela escapar. Permanecendo, portanto, presos ao comodismo, a uma parca sobrevivência, pois não terão possibilidades de um pleno desenvolvimento da sua individualidade. Essa perder-se-á nos estereótipos do grupo, da turma, do coletivo massificado.
Agora, para descontrair, leia O PASSARINHO ENGAIOLADO de Rubem Alves que demonstra bem essa possibilidade de desistência da liberdade até para um animalzinho que só sabe viver voando, livre, capaz de, pelo instinto, safar-se dos perigos.
Por outro lado, Martinho da Vila traz, para compensar, uma passarinha bem mais corajosa que sai em busca de companheiro e que não deixaria, com certeza, as pimentinhas do conto de Rubem Alves intactas. Acompanhe a letra do samba GAIOLAS ABERTAS na voz de um de seus autores. O outro é João Donato. Bom divertimento!
Ah! Não se esqueça de conviver mais, conversar mais, ouvir mais, enxergar mais. Tudo ao vivo e em cores.
E, por favor, desligue o tablet na hora do almoço!









Martinho da Vila – Gaiolas Abertas





domingo, 17 de novembro de 2013

CRIAR: UM ATO DE AMOR

E Deus criou...
Nós, à sua imagem e semelhança, também geramos, criamos e recriamos com grande esforço, como nos diz Fernando Pessoa nos dois versos que seguem:
O esforço é grande e o homem é pequeno.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
                                     (versos extraídos do poema PADRÃO, inserido na primeira parte (O Brasão) do livro MENSAGEM, uma ode patriótica)
Mesmo assim, é nossa obrigação continuar acalentando esse ideal de criação permanente, pois ela é a prova do grande amor de que somos constituídos. E esse legado é o que nos move, é o que nos compete levar adiante. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema AMAR, verseja assim:
Assim dessa forma é que o criar, que repousa no amor ao outro, a um ideal, ao coletivo, se defronta, muitas vezes. A uma doação ilimitada, pode seguir-se uma completa ingratidão. No plano familiar esse comportamento é até bem encontradiço, bem comum.
Felizmente, as mais das vezes, esse criar tem uma resposta pronta e receptiva e começa nas primeiras letras. E é a pessoa daquela primeira professora, que conduz os primeiros passos do seu pequenino aluno, a quem incumbe esse papel de criar condições para uma resposta positiva.
Com muito amor, pois esse criar depende desse ingrediente, o conhecimento vai sendo não apenas transmitido, mas também buscado, numa necessária simbiose, pelos parceiros dessa relação ensino/aprendizagem, isto é, professor/aluno.
Criar condições encerra uma capacidade criativa que, a cada dia, exige mais do professor, frente aos avanços da tecnologia.
Isso, porém, não é impeditivo para a obtenção de resultados positivos, mesmo a infraestrutura à disposição não sendo adequada ou suficiente para a aprendizagem.
Caberá ao professor, com criatividade, criar condições de levar o alunado a um patamar, no mínimo, satisfatório de aprendizagem.
Por isso, considero este profissional, que se dedica ao ensino, o indivíduo mais relevante no segmento social de uma comunidade.
Criar é um ato de amor e ser criativo é uma exigência imposta, principalmente nos dias atuais, em que há grandes avanços, por um lado, mas também grandes deficiências, por outro.
Numa sociedade, extremamente heterogênea em termos econômicos, ser criativo impõe-se como arma a ser usada pelos mais carentes para alcançar aquilo que a muitos outros é de fácil aquisição. E é ao professor que cabe essa tarefa: a de conduzir o alçar voo, sustentando, em pleno mar de vicissitudes, a manutenção e o alcance do destino final, qual seja, melhores chances na vida através da educação e do conhecimento.
Temos um exemplo desse mister na pessoa da Prof.ª Maria Alice Gouvêa Campesato. Docente da Escola Pública Municipal Nossa Senhora do Carmo, no Bairro Restinga, exerce sua função com grande criatividade, levando seus alunos da 6ª Série a descobrirem o prazer de ler.
Criou o Varal Literário, para que os alunos começassem a se familiarizar com os versos de conhecidos poetas, tudo visando a explorar a sensibilidade desses jovens leitores. A seguir, implantou o Clube de Leitura e os Saraus Literários que, a meu ver, é o grande trunfo, pois é aberto à comunidade, e é onde os participantes começam a sentirem-se mais confiantes. Aprendem a ler com mais desenvoltura, a declamar e a interpretar poemas de diversos autores. Assim vão, aos poucos, capacitando-se a criar os seus próprios poemas, bem como textos em prosa. Fazendo uso de música, de imagens e poesias, fica muito mais prazeroso o estudo de textos literários por essa gente miúda.
Isso capacitará esses alunos, num futuro, a uma melhor interpretação e compreensão de qualquer texto, de qualquer discurso. Aprendamos a ler. Aprendamos a pensar. Aprendamos a refletir. Discutamos mais, dialoguemos mais, tragamos à luz aquilo que já se encontra latente na própria alma. Preocupemo-nos mais com os problemas humanos, particularmente com a ética: esses são os belos ensinamentos de Sócrates.
Cidadãos forjam-se quando se lhes dá a capacidade de entendimento de qualquer tipo de discurso, seja ele vazio ou merecedor de uma reflexão maior. A seleção virá ao natural.
Portanto, parabéns à Professora Maria Alice que concorre, como finalista, ao Prêmio RBS de Educação, Projeto: Leitura: Viagens Literárias. Meu voto é para ela.
Destaco, abaixo, parte do texto da citada professora, em que, no segundo parágrafo, afirma que, “nem sempre o que se planeja dá certo, nem sempre a gente pega turmas receptivas”. Digo eu, parafraseando Drummond:
“Saber amar o inóspito, o áspero,
Um vaso sem flor. Mesmo assim, amar “essa secura toda”.
E isso não é motivo para que se desista, conforme afirma Maria Alice.
Grande verdade, professora!
A Comunidade da Restinga agradece.
Esse é o caminho para que se transforme uma comunidade, uma sociedade, um povo.

Transpondo o cântico de Fernando Pessoa à nossa aldeia:

Sabe-se que o esforço é grande e o homem é pequeno.

Sabe-se que a alma é divina e a obra imperfeita.

Sabe-se que a obra é ousada, mas é do professor a parte feita.

E o porto por achar caberá aos pupilos que, com Deus, perseguirão o por fazer, pois esse será permanente e eterno.


E Viva o Dia da Criatividade, comemorado hoje, dia 17 de novembro.





Poesia AMAR – de Carlos Drummond de Andrade
Poema PADRÃO – cantado por Caetano Veloso  

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 
Comentário via Facebook:
Amar...amar...amar! Eu amo, também, tuas crônicas e a tua criatividade. Parabéns! Professora Maria Alice! Parabéns, Soninha!!!