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quarta-feira, 18 de junho de 2014

É LONGO O CAMINHO

Que primeira estrofe mais depreciativa!



Lá vem mais uma Copa.

Coração já se convoca.

A Pátria de chuteiras.

Tudo mais se joga pela ribanceira.

O trem da alegria vai levar

Toda turma do funil.

Contrabando na bagagem do cartola.

Ora bolas, é Brasil.



É o reconhecimento, plasmado na letra do hino oficial da Copa do Mundo de 2014, de práticas, ao que parece, aceitas pelos cidadãos que aqui vivem.

Expor mazelas e ainda conformar-se com isso: é demais.

Já o jingle Mostra Tua Força Brasil, encomendado pelo Itaú, banco oficial da Seleção Brasileira e da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, mostra, pelo menos, um país que reafirma as suas cinco estrelas estampadas na camisa da Seleção, exaltando o amor e a garra que a “massa” tem pelo Brasil. Destacamos dois trechos, com erro de concordância, que seguem:



Pois só a gente tem as cinco estrelas na alma verde-amarela.

E só a gente sabe emocionar cantando o hino à capela.

Mostra tua força, Brasil!

E faz da nação tua bandeira

Que a paixão da massa inteira

Vai junto com você Brasil.



Isso é pouco, mas não tão depreciativo.

Agora, Eunice, professora já aposentada, não imaginava que assistiria, durante a cerimônia de abertura oficial da Copa do Mundo de 2014, imagens que lhe trariam saudades. Lembrou-se ela que, certa vez, dirigiu, no pátio da escola, uma representação de seus alunos durante uma encenação em que criaram fantasias, confeccionadas em papel, imitando árvores, pois compunham um cenário que ilustrava a poesia de Olavo Bilac chamada Velhas Árvores. A apresentação foi muito criativa, merecendo a nota 10. Claro que, naquela circunstância e com os adereços que dispunham, aquele desempenho surpreendeu e agradou a todos os presentes.

Já na festa de abertura da Copa do Mundo de 2014, “aquelas árvores” deixaram a desejar. As árvores vivas de Eunice teriam feito bonito naquela apresentação.

A cerimônia, dividida em três partes, apresentou na primeira a riqueza natural do país, a representação da sua natureza. Num segundo momento, exaltou-se o povo através da música e da dança. Por último, homens-bola surgiram, representando o futebol brasileiro, paixão nacional. Uma paixão tão avassaladora que transformou em arte o futebol. Pelo menos, é o que, até há pouco tempo, era visto como um diferencial no futebol brasileiro. As coisas parecem estar mudando! Vamos manter, por ora, essa expectativa que pode fazer a diferença no final do certame.

A trilha sonora de toda a cerimônia esteve a cargo de Otávio de Moraes, parecendo adequada ao espetáculo e servindo para dar maior brilho aos diversos momentos que se iam sucedendo. Ele é um conhecido criador de trilhas sonoras para importantes clientes na propaganda como o Banco Itaú, patrocinador oficial da Copa do Mundo 2014.

Agora, a apresentação musical de encerramento do espetáculo foi algo triste de se ver, ouvir e assistir. Talvez, ao gosto de belgas ou congêneres. Não teve, porém, nada a ver com a tradição musical mais representativa do povo brasileiro que é o samba. Com tantos discípulos de Joãozinho Trinta, com tanta gente capacitada a projetar e montar um espetáculo genuinamente brasileiro, coube a um casal de estrangeiros essa tarefa. Só podia dar no que deu.

A coreógrafa belga Daphné Cornez e o diretor italiano Franco Dragone foram os idealizadores e criadores do espetáculo que durou apenas 25 minutos e foi considerado, por muitos nacionais e outros tantos do exterior, como um espetáculo “morno”.

Deixando de lado a apresentação e desenvolvimento do espetáculo como um todo, que ficou a desejar, acredito que o maior azarão foi a música de encerramento com a participação de três reconhecidos cantores que, sozinhos, com seus estilos e público, fazem sem dúvida grande sucesso. São ótimos artistas. Juntá-los, cantando em playback We Are One, foi desolador. E a porto-riquenha dançando “na boquinha da garrafa” foi de doer. Aqui tem gente que faz isso muito melhor, com muito mais sensualidade. 

O momento não era para isso.

Perderam uma ótima oportunidade de mostrar ao mundo o nosso samba “de partido alto”, levantando de vez a galera que assistia ao espetáculo. Mas foi a FIFA que organizou todo o espetáculo! E sabe-se lá se aquelas estruturas, as do topo da arquibancada tubular externa, aguentariam tal empolgação? Circula pela Internet a informação de que as pessoas, que estavam mais abaixo, pediam para as de cima não pularem, pois tremia tudo.

Mas, também a Internet... Tudo cabe ali.

Cabe até a manifestação de pessoas que disseram que a imagem dos jogadores brasileiros, ao ingressarem no campo, parecia de detentos voltando pra jaula, com as mãozinhas no ombro e de cabeça baixa. Outros mais, muitos mais, afirmaram que mão no ombro significaria apoio, como o de um amigo verdadeiro. Dar a mão, afinal de contas, é um ato que se faz com qualquer um. Dar o ombro? É outra coisa!

Pois é! Ela, a Internet, registra tudo, possibilitando toda e qualquer manifestação. Tudo e todos são perquiridos. Tudo meio método socrático com um interlocutor virtual. O que é bom para o desenvolvimento das ideias, quando bem dirigido. Mas isso já é outro papo. O caminho é longo para que as boas ideias materializem-se em ações individuais, transformando a “massa”, referida no hino, em cidadãos verdadeiros.

Graças à tecnologia, pudemos assistir a uma coreografia pobre, a um encerramento desvinculado da nossa exuberância musical, que sabemos de qualidade.

Pena que o pontapé inicial de abertura da Copa nos foi subtraído, tanto pela ausência da fala das autoridades que deveriam fazê-lo, como é de praxe, quanto pela exposição do jovem tetraplégico, alçado a jogador, graças à ciência e tecnologia trabalhadas por cabeças brasileiras.

É! A manipulação é perversa. 



Os FILHOS DE VERA CRUZ, música composta por Altayr Veloso e Paulo César Feital, especialmente para a Copa, e cantada por Zeca Pagodinho, bem que poderia ter sido a música escolhida para o encerramento do espetáculo. E veja o quanto de simbólico encerram os versos que seguem, transcritos da referida música:



“Ó, minha pátria amada, cuida bem dos seus guris.”

“Mete nas canetas, faz de letra meu país.”



Observa-se tanto a expressão do drible “de caneta”, quanto o pedido de que se coloquem os guris de posse das canetas, com que se escreve, fazendo de letra um país. Não somente com os pés trocados como um gol de letra, mas um gol de letra no analfabetismo funcional, que ainda grassa.

O caminho é longo, mas vale a pena investir, pois são as ideias que movimentam o mundo. Educar é o caminho.






Zeca Pagodinho fala sobre Filhos de Vera Cruz – música para a Copa do Mundo 



Clip de Zeca Pagodinho para a Copa do Mundo/Brasil





Velhas Árvores - Olavo Bilac





quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013




 A ÉPOCA DOS 3 EM 1

Clarissa folheia com vagar o velho caderno, o único que sobrou de tantos.

Vai virando as folhas, uma a uma, parando, às vezes, em alguma que lhe chama a atenção pelas marcas deixadas no papel. São borrões, pingos eventuais de tinta de caneta ou refrigerante, e tantos outros sinais ali existentes: guardados ainda na memória.

Porém, um, em especial, que aguarda por ela mais para o fim do caderno, a faz recordar com ternura. Ternura por si própria ao ver-se retratada, naquele momento da existência, já tão longe, por aquela mancha bem no meio da página. Aquela lágrima caíra bem ali, naquele trecho do texto onde escrevera a palavra “amiga”.

Volta no tempo e relembra a tristeza que sentiu ao escrever que Soraia, sua melhor amiga, trocara de colégio e, por isso, não seria mais sua colega de aula.

O tema da redação, proposto pela professora, tinha sido “O Valor de um Afeto”. E Clarissa tinha escolhido a amiga Soraia como alguém a quem dispensava um grande afeto. Infelizmente, depois de cursarem juntas várias séries, não mais poderiam manter aquela diária e estreita amizade.

O registro daquele intenso momento de emoção estava ali, para sempre, registrado através de uma mancha sobre a tinta, nascendo um borrão, causado pela lágrima caída de olhos ainda tão jovens.
CONGELE A CENA.


Hoje, a mesma cena da lágrima ficaria registrada? Não, não teria registro.

Cairia sobre uma tela de plástico, resistente a riscos, resistente à água, resistente a lágrimas. Resistente ao registro da emoção daquele instante único.

A impessoalidade de um tablet, a aridez de uma tela, embora suave ao toque, não nos permite manter mais registros palpáveis, visíveis, de um momento de emoção extravasada, literalmente derramada.

Dispensa-se, hoje, o caderno, o lápis (ou caneta), a borracha. Temos o tablet, temos o simples toque dos dedos sobre a tela. Ah, e o mouse, também. E podemos gravar tudo num Pen Drive.

Nossos textos, nossas criações estarão todas lá, armazenadas. A autoria estará preservada, é claro. Mas a emoção do ato de criar, as etapas que se vão somando, com eventuais garatujas, riscos, desistências reveladoras na escolha da melhor palavra, reticências e sublinhados não terão mais registro.

Imaginem tantos autores clássicos, sem os seus manuscritos. Que perda irreparável seria para quem procura entender melhor o fazer poético, a lida com a palavra escrita mantida por tantos escritores de nomeada.

O processo de criação fica muito mais evidente em apontamentos e em manuscritos do que ficaria em textos registrados num tablet. Suas anotações à margem do texto, bem como a própria letra do escritor, são reveladoras de características peculiares de seu fazer textual, que nos dão a sua visão pessoal dos seus escritos.

E se falarmos em alunos que iniciam seus estudos no Ensino Fundamental, em particular, é importante que se capacitem a usar a mão para formarem, letra por letra, palavras que criarão frases, que comporão textos. Textos que contarão estórias, suas e de outros, com a emoção que é peculiar a cada um, num registro visível, palpável e totalmente pessoal dos sentimentos que nos diferenciam da máquina. Pois, não somos máquinas. 
Somos humanos e elas devem de estar a nosso serviço, tão somente.

Não esqueçamos que ainda somos seres pensantes, não somos idiotas e, portanto, a tecnologia tem que ser vista como mais uma ferramenta, apenas. Caso não seja assim entendida, de nada valerá o investimento em seu desenvolvimento.


Dito isso, boa volta às aulas.

Não importa que vocês, alunos, não tenham tablet. O importante é que tenham o que escrever, que adquiram a capacidade de escrever bem, de forma correta. E que aprendam a pensar, a refletir. Para isso, é imprescindível a figura do professor. A máquina servirá para auxiliar o trabalho de alunos e professores. Abrirá, com certeza, o mundo do conhecimento, das novidades, das pesquisas e tudo o que venha a ampliar a visão das coisas que os cercam, já trazida pelos alunos para sala de aula.

O bom e velho caderno, pelo menos nas séries do Ensino Fundamental, eu acredito que seja, ainda, um companheiro fiel. Clarissa não se emocionaria diante de um tablet, se fosse encontrado num canto da casa, caso existisse em sua época. Suas lágrimas não teriam tido registro. Sua emoção não se teria renovado. Seu passado seria apenas uma vaga lembrança. Sua história: um pouco mais difusa pela ação do tempo.


 

O Caderno - Toquinho




Fragmentos manuscritos de conhecidos autores nacionais:



Euclides da Cunha
Ferreira Gullar

João Cabral de Melo Neto

João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa

Machado de Assis

Mário Quintana

Millôr Fernandes


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Comentários via Facebook:


Scyla escreveu: "Olha que já é madrugada, amiga, mas a tua estrela cronista estava aí brilhando, iluminando tudo e eu resolvi que não deixaria para amanhã. Até porque o amanhã é incerto para todos nós. E com esta pressa, esta ansiedade, fui conferir O CADERNO de Soninha Athayde, que depois de toda a belíssima leitura, depois de queridas lembranças, nos dá uma aula de "convivência pacífica" entre o novo e o nem tão antigo e sempre encantador método de guardar palavras, textos, poemas."
Scyla escreveu: "Fala de tudo o que permeia a atmosfera escolar, nos leva para dentro da sala de aula, nos apresenta o professor ( indispensável) e nos coloca diante das novas ferramentas de aprender e de ensinar, pesquisar, redigir. Linda crônica e o presente na voz de Toquinho, O CADERNO, de Vinicius de Morais. Obrigada por nos oferecer o teu talento, Soninha, e parabéns! Bjs"