Mostrando postagens com marcador beleza. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador beleza. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 3 de março de 2015

DE RECUOS E AVANÇOS

Qual a hora certa para avançar ou recuar?

Aquela que amanhece cinzenta?

Aquela em que o sorriso alaranjado, lá no horizonte, prenuncia um dia gostoso de saborear desde os primeiros raios de sol?

Há pouco, uma amiga poetisa confidenciou-me que está há bastante tempo sem escrever. Recuou, não entendi bem o motivo.

Na verdade, se muitos eventos estiverem acontecendo, mais inspiração deve haver. Afinal, ela brota de dentro. E, bem lá dentro, tudo repercute e tende a ser devolvido com a vestimenta do belo ou do menos feio. 

Afinal:





O médico Dráusio Varella informa que nós, seres animais, não fomos feitos para o exercício. O movimento, na verdade, só é buscado em três situações:

1- Obter satisfação sexual (sexualidade)

2- Conseguir alimento (alimentação)

3- Sobreviver (enfrentamento ou fuga)


Portanto, se quisermos implantar uma rotina de exercícios físicos só se apelarmos para uma “disciplina militar”, segundo ele.

Daí, muitos recuam. Só há avanços, se houver disciplina na realização das ações propostas.



Outro amigo observou, dias atrás, que, descendendo nós dos símios, trouxemos o hábito do furto. Isto já faria parte da espécie.

Neste particular, com certeza, houve avanços. A dissimulação, a hipocrisia e o transvio de obrigações e valores avançaram ao longo do tempo. E o recuo parece quase impossível.



E a linguagem?

Estaria avançando ou recuando na proposta de comunicação entre seres dotados de capacidade intelectiva?

A poesia, a prosa poética ou mesmo o texto narrativo bem elaborado sobreviveriam frente àquilo que George Orwell, em seu livro 1984, chamou de Novilíngua? Vale a pena a leitura deste livro. Percebe-se sua atualidade, embora escrito em 1948.


George Orwell


Na Novilíngua, considerava-se a redução dos vocabulários por si só como um objetivo desejável, e não era permitida a sobrevivência de palavras das quais se pudesse prescindir. A finalidade da Novilíngua não era aumentar, mas diminuir a extensão do pensamento, finalidade que poderia ser atingida pela redução do número de palavras ao mínimo. (p.288)

Segundo o autor do livro, a adoção definitiva da Novilíngua dar-se-ia lá pelo ano de 2050. Estamos ainda a caminho.


E o duplipensar? O que seria?

O duplipensar queria dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas. Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois, quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do olvido o tempo suficiente à sua utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega – tudo isso é indispensável. Mesmo no emprego da palavra duplipensar é necessário duplipensar. Pois, usando-se a palavra admite-se que se está mexendo na realidade; é preciso um novo ato de duplipensar para apagar essa percepção e assim por diante, indefinidamente, a mentira sempre um passo além da realidade. (p.206)


Acredito, dado o exposto, que não mais estamos falando de avanços e sim de recuos.

Ah! Deixa pra lá... Afinal, isto é só ficção!


E a Inteligência Artificial?

O físico britânico Stephen Hawking acredita que os esforços para criar máquinas pensantes podem significar o fim da raça humana. Disse ele:






“Quando a inteligência artificial for completamente desenvolvida pelos seres humanos, ela pode progredir por si mesma, e se redesenhar a um ritmo cada vez maior.







Segundo ele, os humanos, possuindo lenta evolução biológica, não poderão competir com estas máquinas, sendo por elas substituídos.

Seria isto um avanço ou recuo?

Em 05/03/13, publiquei a crônica UFA! onde aparecem exemplos de como está se tornando gutural a forma escrita, bem como a falada, ou melhor, cantada. 

Estaremos avançando ou recuando na forma como nos comunicamos?

São os novos tempos?

É a velocidade das coisas e fatos que estará nos fazendo engolir partes do discurso?

Já quase não nos comunicamos. Ou melhor, nos comunicamos por símbolos, através de máquinas. Qualquer dia, falar ao vivo e em cores será coisa do passado.

Com certeza, a Inteligência Artificial trabalhará muito mais veloz e de modo mais perfeito com um universo de símbolos do que os humanos poderiam fazer frente. Há um forte risco de sermos substituídos. Stephen Hawking tem razão.


E se nós próprios nos tornássemos máquinas ambulantes? Com chips implantados para as diversas funções poderíamos voltar a vagar pelas savanas, sem compromissos com nada. Num absoluto “dolce far niente”. Na hora da alimentação, apertaríamos um botão de alguma máquina especializada para este fim e saltaria de lá uma barrinha, sintética, de cereais que conteria todos os nutrientes necessários à sobrevivência. O sexo seria virtual e só para o prazer, pois a função principal estaria bloqueada. E a terceira necessidade, apontada pelo Dr. Dráusio, a de fugir ou lutar pela sobrevivência, não teria mais sentido, pois andaríamos aos magotes pelas savanas. Todos iguais, com necessidades prontamente atendidas ao apertar de um botão: no seu próprio corpo.

E a mente, o pensamento, a emoção?

Ui! Que coisa mais démodé!

Afinal, o duplipensar acabaria com este sacrifício de ter disposição e capacidade para pensar a fundo em alguma coisa. Para que liberdade intelectual, se não seria mais necessário possuir intelecto.

Seria isto um avanço ou um recuo?

Orwell sinalizou o ano de 2050 como o ano em que a Novilíngua estaria completamente implantada. Hawking não previu data para as máquinas nos substituírem.

Apenas como exercício de futurologia, descrevemos acima o novo ser, já transformado em máquina, tendo os elementos de sujeição ao sistema, imaginado por Orwell, contribuído para este novo ser.

E apenas para percebermos a complexidade destes novos tempos, o reconhecido psiquiatra Augusto Cury deu nome à torrente de informações ininterruptas que estressam e desgastam o cérebro, chamando-a de Síndrome do Pensamento Acelerado ou SPA.

Esta aceleração do pensamento impediria o desenvolvimento de funções da inteligência como, por exemplo, o ato de refletir, expor ideias, exercer o pensamento com consciência crítica e não apenas com uma visão maniqueísta.

Isto sem falar que uma mente hiperexcitada determina a morte precoce do tempo emocional. Aquele que nos permite conversar sentados num banco à sombra de uma árvore. Aquele em que acompanhamos o desenvolvimento das flores no jardim, quando se curte este jardim.

O “eu” estaria tornando-se embotado, perdendo a sua capacidade de escolha consciente, de crítica, de dúvida ou de estabelecer relações.

Segundo o Dr. Cury, a geração da era da indústria do lazer é a mais triste de que se tem notícia. A emoção genuína estaria sendo empobrecida por uma mente hiperexcitada. A emoção/contemplação, que o filósofo francês Michel Lacroix tão bem descreve como sendo aquela que nos permite usufruir o sabor do mundo, estaria com os dias contados.


Recuaremos ou avançaremos?

Tudo é uma questão de enfoque.

Avançaremos como espécie, ainda atenta, por temer o desconhecido, recuando no desenvolvimento da inteligência artificial?

Recuaremos, involuindo como espécie, ao seguir avançando por este caminho veloz e tentador? 


Acredito que, no ano de 2050, não se concretizarão as previsões de Orwell. Muito menos a transformação do homem em máquina. Bem antes, o homem recobrará a razão e nos veremos ainda como seres com as mesmas necessidades básicas descritas pelo Dr. Dráusio, porém menos predadores. O que será muito bom, pois ainda teremos a possibilidade de avançar em busca da imagem e semelhança com o Criador, reconstruindo um novo homem: mais atento e zeloso da importância da sua espécie.

Não esqueçamos que uma máquina é uma máquina.

Ela tem a mão do Homem sobre ela.

E o Homem?

Tem a mão de Deus sobre ele.




Aliás, FÉ EM DEUS, na voz de Diogo Nogueira, é o que nos motiva e dá alento nesta caminhada rumo aos novos tempos, bastante incertos.






Fé em Deus – Diogo Nogueira 




-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Comentários via Facebook:

Loraine Canabarro: Vou ler...tuas crônicas são perfeitas. bj

Amelia Mari Passos: "É a velocidade das coisas e fatos que estará nos fazendo engolir partes do discurso? Soninha Athayde ". Como sempre impecável. Tu nos leva a refletir no ato, na hora do susto. E logo ali, nos enche de esperança. Gosto de teu coração e de tuas palavras Soninha.Forte abraço.



terça-feira, 16 de dezembro de 2014

DE VOLTA? SÓ A BACIA...


Do interfone uma voz masculina perguntava se a calopsita, que caíra no pátio de sua casa, era de alguém do edifício. Aninha, atendendo ao celular com uma das mãos, informou que não conhecia alguém do prédio que tivesse uma calopsita. A bem da verdade, havia um vizinho, recém-chegado, que talvez fosse o dono da tal ave. Quem sabe? Forneceu o número do apartamento, então. Poderia, também, ter referido outro edifício bem próximo, com apartamento térreo e pátio, além de uma casa com um quintal imenso, também próxima, de onde poderia a calopsita ter escapado. Diante da impossibilidade de falar, ao mesmo tempo, com um celular e o interfone preferiu apenas mencionar o novo vizinho, por absoluta economia de tempo.

No dia seguinte, soube pelo tal vizinho que a calopsita fora entregue a ele dentro de uma bacia, para que se informasse ou descobrisse de onde ela partira e quem seria seu dono. Que empreitada!

Aliás, o Roberto, nome do novo vizinho, contou a Aninha que a calopsita já se encontrava na casa de sua sogra. Ao que parece, até já teriam dispensado a bacia e adquirido uma gaiola. Eh! O afeto já tinha tecido alguns fios de acolhimento ao pequeno ser.

A calopsita é um pequeno papagaio da família Cacatuidae, descrita como espécie, pela primeira vez, em 1792. Originariamente, é uma ave das áreas úmidas da Austrália.

Quando da entrega, ficou a dúvida se a calopsita tinha se perdido por aí ou se o dono não mais a queria. Pelo menos, foi esta a sensação extraída pelo Roberto do encontro com o suposto salvador, homem forte de cabeleira vasta.

Aninha sabe que comida para uma calopsita exige certo cuidado. Basicamente, são grãos misturados. Cuida-se, porém, que a porcentagem da mistura seja 20% de alpiste, 50% de painço, 15% de arroz com casca, 10% de aveia e 5% de girassol. Mas não mais de 5%, porque o dito engorda e não é muito bom para animais em cativeiro. Muito menos para calopsitas que são pequeninas em tamanho (12.8cm até 32cm de comprimento incluindo a cauda) e leves no peso (78g a 125g). Mas claro, há os alimentos balanceados para melhor controle de peso. Olha só o gasto!

O que deve ter acontecido com a calopsita? Ninguém sabe. Talvez, seu dono tenha resolvido propiciar alguns minutos de liberdade a ela, soltando-a pela casa. Bastou um descuido e ela sumiu por encanto. É o que pode ter acontecido. Que mão de obra!

Agora, Aninha tem outra versão sobre a entrega da calopsita. O tal homem de cabeleira vasta pode ter usado o expediente para livrar-se da ave.

Tempos atrás, Aninha adentrou no mundo das calopsitas, quando andava às voltas com a crônica O DONO DO ASSOBIO, publicada em 14/02/14. Na oportunidade, encontrou dois vídeos muito elucidativos. Num, a calopsita repetia frases tipo:

Papai é meu amigo...

Papai me ama...

Deus é bom pra mim...

Papai chegou...

Bate o pé, bate o pé...

Nana, nenê...



Já pensaram bem?

O indivíduo chegando em casa, exausto, e sendo cobrado “sutilmente” por atenção com a frase Papai é meu amigo, repetida à exaustão? Esta calopsita, a do vídeo, fala e não se aninha aos pés de seu dono como um cachorrinho ou um gatinho. E olha que a palavra é uma ferramenta poderosa!

Agora, quando ela é treinada para assobiar o Hino Nacional Brasileiro, o bicho pega!

Aquilo que, cantado na hora certa, é pura emoção, torna-se algo enfadonho, até irritante, dependendo do humor e das dificuldades enfrentadas, no dia a dia, pelo dono da casa e, por óbvio, da calopsita. Este assobiar, convenhamos, cheira mais a provocação do que incentivo.

E há quem esteja já treinando as calopsitas para cantarem a letra do Hino Nacional do Brasil! Já pensaram?



Se a versão da Aninha vingar, o dono verdadeiro da calopsita nunca mais vai aparecer.

De todo este imbróglio, parece que o Roberto apenas foi questionado sobre a bacia, que se encontra na casa da sogra, e que o dono virá buscar, oportunamente.

Agora, para quem não dispensa uma calopsita engaiolada em casa, Aninha pede que a deixem emitir o seu som característico, o seu arrulhar que pode transportar o seu dono para o mundo das calopsitas, ou para qualquer outro, podendo fazê-lo viajar em pensamento. Desta mesma forma é que Aninha viaja com os papagaios que habitam o Bairro Menino Deus. Todos livres, leves e soltos a marcarem local e hora: ao amanhecer e ao entardecer, especialmente. Junto a eles variados pássaros que os acompanham em voos circulares e que oferecem seu bailado como pano de fundo para os alegres papagaios.

Como Aninha poderá manter a imaginação fluindo se prenderem os papagaios?



Ah! Para finalizar, os estudiosos das calopsitas afirmam que o penacho sobre suas cabeças é tão expressivo quanto o rabo é para o cachorro. Penacho para cima significa estar nervosa ou atenta; quando emitem um som parecido com uma tosse é porque estão bravas; se for um grito, pode ser carência. 

Agora, se puderem, de vez em quando, sair da gaiola e voar por dentro de casa, será melhor ainda. Afinal, não lhe cortem as asas, pois com elas poderão voar por sobre os móveis e, talvez, seu dono possa apreciar melhor a beleza exuberante desta ave que não canta como um sabiá, mas que voa com graça. Ação esta que é própria de sua natureza.

Pois em gaiola, nem sendo dourada, os coitados dos passarinhos gostam de estar.

Olavo Bilac em O PÁSSARO CATIVO retrata bem a tristeza e a angústia que a gaiola representa para os pássaros, conforme poema transcrito abaixo.

E para ficar pela metade do século passado, um pouco após o falecimento do grande poeta parnasiano, ocorrido em 1918, a música SABIÁ LÁ NA GAIOLA, um dos hits do ano de 1950, dá o tom alegre e infantil, num vídeo animado, ao desejo de liberdade do sabiá.



Sinceramente, acho que de volta só querem mesmo é a bacia. Ainda bem! Acho que a calopsita já encontrou um novo lar. Nesta nova morada, acredita-se que a portinhola da gaiola todos os dias abrir-se-á, por um tempo, para que ela desfrute de uma liberdade protegida. Não é a ideal. Mas... 

Parece, pelo que soube Aninha, que, na nova morada, a calopsita já é a rainha do pedaço.



É! Até o momento, o único dono, que se apresentou como tal, é o dono da bacia: que virá buscá-la. Virá buscar a bacia, é claro. Será?






SABIÁ LÁ NA GAIOLA – Grupo Anima/Letras 




---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Comentários via Facebook:

Rosangela Guerrieri Pereira: Ah, Soninha, que bonitinho o vídeo, a menininha chamando o pássaro com a mãozinha. O texto está muito lindo. Afinal, o dono virá ou não buscar a bacia? Bjo

Amelia Mari Passos: "O afeto já tinha tecido alguns fios de acolhimento ao pequeno ser" AiiI!!!que delicia de ler , escutar e assistir. Soninha Athayde tu nos faz bem. Um abraço

Anninha Simioni: Texto maravilhoso carregado de leveza, sensibilidade, amor e poesia, Parabéns e um abraço, Soninha!


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

AS CAIXINHAS


Quando tia Ernestina aparecia com aquelas caixinhas, era uma festa. Aninha corria ao seu encontro no afã de abri-las.

Uma delas sempre continha sementinhas. A menina jurava que aquela goiabeira, que embelezava o pátio, era produto de algumas das tantas sementinhas. Também tinha uma pereira e um caquizeiro, tudo obra daquelas sementinhas tão aguardadas pela menininha.

Agora, tinham também outras caixinhas. Todas eram gratas surpresas. Nunca se sabia bem o que elas continham. Uma delas, por exemplo, de tempos em tempos, vinha com minúsculos pares de olhinhos, feitos com fios de lã. Estes podiam ser trocados por outros já colocados nas bonecas de pano, mas facilmente removíveis, para que os novos “olhinhos” assumissem o seu papel de renovação daquelas companheiras de brincadeiras.

Havia, também, a caixinha das pequeninas bolinhas de algodão, que eram guardadas para enfeitar a árvore de Natal, como se fossem flocos de neve nos moldes europeus, tão apreciada à época.

Outra caixinha aparecia, vez por outra, com florzinhas, habilmente confeccionadas pela tia, que serviam para lembrar quão bonita e alegre é a estação delas: a Primavera.

As tais caixinhas eram todas aparentemente iguais, mas escondiam surpresas. Todas, porém, agradáveis. Nada que, naquele tempo, tenha assustado Aninha.

Tinha aquela dos balões, todos coloridos.

Havia outra que continha inúmeras estrelinhas com uma lua e um sol misturados no meio delas.

Existiam duas outras caixinhas que iniciaram Aninha nas primeiras letras e números: um verdadeiro jogo de armar. O raciocínio ia sendo exercitado através de brincadeiras com a formação de palavras e com a junção de números para as primeiras continhas.

Outra caixinha muito aguardada era aquela em que, ao abri-la, saltavam carinhas de bichinhos, alguns domésticos, outros da selva distante. Todos, porém, amigos de quem se dispunha a vê-los como irmãos de brincadeira.

Um mundo encantado aquele das “caixinhas surpresa”.

Esperar pela chegada delas era sempre motivo de grande expectativa. Nem sempre continham novidades. Muitas vezes, repetiam-se. Eram, porém, repetições saudadas, pois guardavam lembranças queridas.

Tia Ernestina sabia “das coisas” do mundo.

Encantar-se era parte da vida de Aninha. E nisso, tia Ernestina colaborava como ninguém.

Daquelas sementes de goiabeira, pereira e caquizeiro nasceu um pé de cada árvore no quintal da casa. Nasceu, igualmente, o amor pelas árvores.

Do trabalho artesanal com fios de lã, nasceram não somente novos olhinhos para as bonecas, mas um olhar sempre disposto ao novo.

Do algodão ficou a imagem do inverno europeu, não nosso conhecido, porém reverenciado pela beleza plástica que encerra.

Das flores permaneceu o colírio que a cada Primavera nos invade o olhar. Imagens floridas que tornam nosso olhar mais brilhante.

Os balões ainda despertam Aninha quando ela os vê na mão de algum vendedor ou de uma criança. Dá vontade de alçar voo junto e descobrir o que existe no distante infinito. A curiosidade pelo desconhecido sempre é um desafio ao ser humano. E isso se completa com o olhar perdido em noite de estrelas e lua, tudo junto. E os sonhos tudo admitem. E é bom sonhar!



Como só de sonhos não se vive, permaneceram as letras e os números para, ambos, deixarem Aninha com os pés no chão. Ela confessa que preferiu as letras aos números. Claro que, sem eles, não se vive. Eles são, diria ela, decisivos numa disputa acirrada.

Quanto aos animais, tia Ernestina também soube, através da caixinha respectiva, demonstrar que eles são nossos companheiros nesta viagem. Alguns mais próximos de nós, outros nem tanto, mas não menos importantes.



Aninha acredita que tia Ernestina cumpriu com o seu papel. Afinal, ela era a sobrinha de que tanto gostava.

Alguns dirão que tia Ernestina falhou. Falhou? Em nada, ela falhou.

Foi excelente o seu desempenho em instigar a curiosidade, a expectativa e a descoberta do que continham as caixinhas. As surpresas eram sempre proveitosas, recheadas de ação, de emoção e de sensibilidade na medida certa. Tudo com frutos colhidos naquele presente e imaginados para um futuro que se anunciava.

Perguntarão alguns:

- E quanto às surpresas desagradáveis que não lhe foram ensinadas?

- Caberá à vida encarregar-se de oferecê-las, digo eu em favor de Aninha. 

O fato é que Aninha sabe como abrir as tais caixinhas surpresa. Já está treinada.

Quando tem certeza do seu conteúdo, numa rápida passada de mão.

Quando pairam dúvidas, com muita cautela.

Quem sabe, o sonoro canto de alguma ave possa ser decisivo neste momento de tantas dúvidas, de tantas indefinições. Afinal, a caixinha dos bichinhos pode ser inspiradora nesta hora.



Vivam as Árvores!

Viva a Primavera!

Vivam elas!







Agora, surpresa mesmo, em alto nível, foi a que tiveram os jogadores do principal time de basquete da Turquia, o Anadolu Efes, conforme mostra o vídeo que segue.

A música, que é tocada na surpresa, chama-se Senden Daha Güzel e representa o hino da torcida do time. Ela foi capaz de despertar os jogadores, já que alguns estavam visivelmente entediados com o espetáculo que acontecia.





Surpresa em um concerto de Música Clássica



quarta-feira, 27 de agosto de 2014

À BEIRA DE UM RIO



Não temos a estátua do Cristo. Não temos o mar.

Temos, porém, o nosso Guaíba. 

E o vemos do alto do Morro Santa Tereza. Através das precisas aberturas, que enquadram a paisagem no Museu Iberê Camargo, obra do premiadíssimo arquiteto Álvaro Siza Vieira, também podemos vê-lo. Acompanhá-lo também é possível ao longo da Avenida Edvaldo Pereira Paiva. No Gasômetro e no Cais do Porto nossos olhos esbarram com ele o tempo inteiro. 

Atravessá-lo com as antigas barcas, num caminho de ida e volta até a cidade de Guaíba, era um divertimento. Barcas enormes onde cabiam vários automóveis. Claro, não havia o conforto dos catamarãs de hoje. O visual, porém, era o mesmo. Um rio que desliza suave, que não amedronta. Um rio que é o cartão postal desta cidade. Que mais lindo ainda se torna quando o sol se deita para iniciar o seu sono profundo.

As imagens diárias das inúmeras guerras que se sucedem deixam nossos olhos por demais fustigados. São escombros, uma mortandade generalizada, semblantes retorcidos pela dor, pela fome e pela perda de familiares e de seus bens. E a beleza natural dessas terras, referenciais para esses povos, também estão destruídos. Rios que serviram de cartão postal para suas comunidades e que hoje estão deteriorados pelos artefatos de guerra, ali, constantemente, despejados.

Longe da devastação, produto de guerras fratricidas, por aqui se propaga outra devastação. Esta, com certeza, deveria ser bem mais fácil de ser estancada. Infelizmente, porém, não o é. 
A recente reportagem de ZH, de 26 de julho, confirma esta assertiva.

E pensar que eu me banhei nas águas da Praia de Ipanema, zona sul de Porto Alegre.

A perda para os negócios turísticos é incalculável. Uma orla extensa sem qualquer aproveitamento para o turismo, tal a sujeira e poluição que grassam por todo o rio.

Lixo, lixo e mais lixo.

O Museu Iberê Camargo, o Parque Marinha do Brasil, o Anfiteatro Pôr do Sol, as margens da Usina do Gasômetro, o Cais do Porto, todas estas belezas aos pés da imundície, da podridão, do descaso, do descompromisso com o meio ambiente, com a sua cidade.

Como é possível um rio sobreviver diante de tal devastação! Afinal, bebemos deste rio. Até quando será possível consumi-lo sem que nos prejudiquemos, tal a quantia de produtos químicos necessários para que se consiga sua potabilidade?

Este é um assunto de extrema gravidade e que deve envolver a todos: comunidades, indústrias da região metropolitana, Governos do Estado e dos Municípios.

A Lei nº 12.305, de dois de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estipulou o prazo de quatro anos para a total implantação dos chamados aterros sanitários em substituição aos lixões. Os rios Jacuí, Gravataí, Sinos e Caí, todos eles formam o nosso Guaíba, que desemboca na Lagoa dos Patos. Mas quantos arroios desembocam nestes rios? Quantos deles também já se encontram poluídos? 


Belas imagens dos arroios de outrora foi o que nos legou Mário Quintana, através dos versos que seguem:





Infelizmente, nem estes se salvaram da poluição. Às vezes, é por eles que começa ela a espalhar-se.

Luiz Coronel, em NOTURNO DE PORTO ALEGRE, do livro Um Querubim de Pantufas, nos versos nºs 17 a 24, exalta o Guaíba, despejando perfume em suas margens e vendo em seu pôr do sol, quase uma miragem.


- Ó cidade, bem não te conhece quem um dia não tenha
se entregue aos teus braços de rio de margens perfumadas.
Breve, eu sei, tenho certeza, muros e anteparos tombarão
e o “Porto dos Casais” e o rio serão uma verdade única e entrelaçada.

Mas quais virtudes, além de tua beleza, te fazem assim
amada e envolvente? Teu pôr do sol, quase miragem?



Como seria belo vê-lo assim. Belo para os olhos de quem não cansa de apreciá-lo, e fornecendo água limpa, própria para um mergulho nas águas de Ipanema. Uma Ipanema que se juntava as outras praias da região: a do Lami, a do Espírito Santo, a do Veludo e por aí...

Um rio abandonado a sua própria sorte, com lixo depositado às suas margen, é o que a cidade observa.

Porém, acreditem, suas águas ainda encontram-se, quase que diariamente, com ele, o Sol, oferecendo-se para o encontro amoroso.

E ele, acariciado pelas suas mãos de seda, deita-se no leito, conforme RELATO DAS RELAÇÕES DO SOL COM AS ÁGUAS DO GUAÍBA, poema de Luiz Coronel, do livro Um Girassol na Neblina, espargindo luz até o final do encontro.




E a cidade, à beira deste rio, agradece o espetáculo que se renova sempre que propício o tempo. 

Na verdade, os cidadãos querem bem mais do que assistir ao espetáculo do pôr do sol às suas margens. Querem, novamente, desfrutar de suas mansas águas.

E a cidade aguarda que o Estado tome as medidas necessárias para a implantação efetiva desta importante política ambiental, acompanhada de uma fiscalização rigorosa pelo seu não cumprimento.

E o cidadão aguarda...

Nós, porto-alegrenses, aguardamos...

Até quando?









Entre o Guaíba e o Uruguai – Noel Guarany





quinta-feira, 14 de agosto de 2014

OLHARES RECLUSOS


Que tristeza um olhar que não se atreve a acompanhar o movimento contínuo das nuvens. Numa dança mais lenta ou num frenético bailado, é instigante acompanhar o vai e vem de tantas que povoam o céu de todos nós. E as estrelas? E a lua? Tudo ao dispor do nosso olhar desamedrontado. Um olhar que traça imagens e cenas, que cria histórias, as mais diversas, apenas pelo olhar voltado para o firmamento. 

Isto é contemplação!

Milhões de olhares, porém, não mais dispõem desta possibilidade. Embora a natureza ofereça gratuitamente esta dádiva, ela exige tempo. Mas, primordialmente, ela exige paz. E é disto que estamos a tratar. Paz para assistir a este espetáculo diário. Paz para desfrutar de um pôr do sol, de uma chuva mansa, ou mesmo de trovoadas ameaçadoras. Essas últimas, lembrando-nos apenas que são resmungos de quem se zangou e está a arrastar cadeiras no chão do céu.

De milhões de olhares, porém, foi sonegado este direito: o direito de encantar-se, de maravilhar-se com o espetáculo da mãe Natureza.

Os seus olhares procuram, ao contrário, desviar daquilo que lhes reserva o céu. Este passou a ser uma ameaça constante e implacável. O melhor a fazer é não olhar. É fechar o olhar ao belo e esgueirar-se por caminhos tortuosos, por túneis ou entre escombros. O olhar, pelo menos, estará a salvo de assistir a chegada da tragédia que vem pelo ar, já que o corpo aguarda o desfecho de mais um ataque.

Como se pode permanecer por tanto tempo sob tantas tragédias!

O que fazem os pacifistas?

Pela palavra e pela música tem-se tentado acordar a espécie, que se diz civilizada, para um novo momento de sua evolução.

Alguns desses pacifistas foram, momentaneamente, artífices de movimentos que mudaram sociedades retrógradas. Algumas conquistas. Poucas diante do tamanho do desafio e dos senhores que vivem das guerras.

Luiz Coronel, consagrado poeta gaúcho, patrono da 59ª Feira do Livro de Porto Alegre, ocorrida em 2012, em seu poema OS PACIFISTAS, transcrito, ao final da crônica, na íntegra, em sua 5ª estrofe escreveu:


De gravata ou turbante,
Os padeiros da morte
Sovam seus pães de pólvora.


Daniel Barenboim, famoso regente, argentino de nascimento e de origem judaica, criou, em 1999, a West-Eastern Divan Orchestra, juntamente com o intelectual palestino Edward Saïd, já falecido, e com Bernd Kauffmann, responsável pelo Festival das Artes de Weimar (Alemanha), justamente no ano em que a cidade foi escolhida como a Capital Europeia da Cultura. Esta orquestra é composta por jovens músicos do Médio Oriente, entre eles israelitas e palestinos. Também há iranianos, sírios, libaneses, jordanianos, egípcios e espanhóis. A orquestra tem sua base em Sevilha, na Espanha.

Sem nos atermos às declarações de Barenboim sobre o conflito entre israelenses e palestinos, vê-se com clareza o objetivo da orquestra: o de promover o diálogo e a paz entre judeus e não judeus do Oriente Médio.

O nome da orquestra foi inspirado na antologia de poemas de Johann Wolfgang von Goethe. Na conhecida composição lírica chamada West-Östlicher Divan, ou o Divã Ocidental-Oriental (1819), Goethe procurou conciliar a rica tradição poético-árabe com elementos subjetivos europeus da época. Segundo estudiosos, Goethe começou a estudar árabe quando já tinha 60 anos, tendo, ao longo de sua vida, sempre demonstrado interesse pelas culturas de outros países.

Embora tenha ocorrido um agravamento do conflito entre Israel e Palestina, os jovens músicos continuam a se reunir todos os anos em Sevilha. Cidade que sempre foi exemplo de convivência pacífica entre judeus, muçulmanos e cristãos.

Que belo exemplo! Que belo trabalho!

Sim, é possível unir diferentes povos pela música e, digo eu, pela palavra poética, não comprometida politicamente. Apenas comprometida com aquilo que expressa os amores, as dúvidas existenciais, as belezas postas a cada amanhecer, os sonhos projetados a cada entardecer, os propósitos e desafios que se deitam com cada um de nós. Tudo, enfim, que nos depure e nos aprimore como seres em constante evolução. A busca pela união entre os indivíduos, independentemente de etnias, crenças, culturas ou religiões, é o que deveria nortear os esforços dos povos que habitam este já tão pequeno Planeta.



Que tristeza um olhar que não se aventura, que não sonha, que está preso aos horrores da guerra.

Em algumas partes do mundo, o olhar não está mais solto. Tiraram-lhe a liberdade de vagar pelos céus, pela vastidão do universo. O seu alimento primordial, que são as imagens, estas lhe são servidas, a cada dia, mais sombrias, mais escuras, mais putrefatas, de difícil absorção, de impossível digestão.

Carlos Drummond de Andrade, nostalgicamente, escreveu LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO, cujos 8º, 9º e 10º versos dizem:

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.


O poema, na íntegra, transcrito abaixo, faz referência ao sentimento de insegurança trazido pelos tempos de guerra.

Sob o peso do iminente ataque que sobrevém a todo instante, o olhar pende para baixo. Perde-se ele por entre escombros, por entre corpos, por entre sonhos que recém desabrochavam. Nem mais os abrigos suportam tamanha tragédia.

Para tanto horror, criaram a trégua humanitária. Uma verdadeira falácia. É preciso que existam algumas horas de alívio, em que os ainda sobreviventes recebam alimentos para não morrer tão logo. É preciso ainda ter gente lá embaixo, para alimentar a sanha de quem não se cansa de matar.

Com tanto horror acontecendo, em tantos lugares ao mesmo tempo, acredito que a Superlua, espetáculo que a Natureza nos brinda de tempos em tempos, brilhou solitária no firmamento sobre aqueles distantes campos de guerra. Sem plateia, sem olhares a reverenciá-la. Olhares que se encontram reclusos no círculo de horrores que se instalou ao seu redor. Olhares que não mais ousam erguer-se. Pelo menos, por hora.

Quem sabe na próxima Superlua?





Poema OS PACIFISTAS de Luiz Coronel


Poema LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO de Carlos Drummond de Andrade


Música para a Paz 


9ª Sinfonia de Beethoven – 4º Movimento – Daniel Barenboim e West-Eastern Divan Orchestra