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terça-feira, 1 de abril de 2014

UM DIA PARA CHAMAR DE SEU


Levados pela correnteza, mergulhamos num mar perigoso, de mil promessas. Descontos aparentes, mas na fria matemática o lucro sorrateiro, embutido, escondido, que não mostra a cara. Aliás, nem face tem. É um ser diáfano que se alça às alturas com aparência de rasteira criatura. É, isso sim, um reles ser. Um ser enganoso, dissimulado, mas fatal.
Traz consigo uma corrente de ofertas, promoções, serviços, novos modelos, novidades e outros que tais. Estamos, graças a ele, também à mercê de produtos não mais confiáveis, embora alguns tenham a idade da Terra, de tão velhos e conhecidos.
É a “dança das cadeiras” dos executivos de organismos internacionais que deveriam nos proteger da nocividade de tantos alimentos industrializados, mas que trocam de assento com executivos de grandes multinacionais que visam, exclusivamente, ao lucro.
E a macacada de Darwin continua ainda, ao que parece, no mesmo patamar de origem.
Acredito, porém, que somos bem mais do que isso. Somos seres pensantes e, portanto, é nossa obrigação estarmos atentos e vigilantes aos predadores da nossa saúde. O desequilíbrio do planeta, o exaurimento das nossas fontes de riqueza, a deterioração de culturas, a miserabilidade que grassa, historicamente, por regiões sabidamente férteis, são sinais de que tais povos são vistos como o lixo do mundo, servindo apenas como massa de manobra para objetivos sempre escusos. Mesmo aos melhores aquinhoados, falta-lhes cultura para perceber quão venenosa é a manipulação, ainda que subliminar. Esses seres, despreparados pela falta de educação e conhecimento, são incapazes de avaliar os aspectos positivos e negativos das novas tecnologias, adquirindo, com sofreguidão, todo e qualquer equipamento que surja no mercado. Tudo bem ao gosto de quem criou a obsolescência programada com o objetivo único de auferir constantes lucros às empresas que fornecem todo o tipo de consumo, dos úteis aos meramente ditos “da hora”.
É sempre desejável uma modernização constante nas áreas científica e tecnológica, pois trarão melhores condições de vida, saúde, moradia, educação e cultura para o povo. Ofertas de emprego e segurança decorrerão de políticas públicas que visem apoio a ações que impulsionem tais objetivos.
Agora, criar um aplicativo, embutido em um novo celular recentemente lançado no Brasil, para ler mil palavras em um minuto, é coisa para macaco “treinado”. O tal usuário lerá todas as palavras que se irão somando, podendo, inclusive ler, segundo a proposta da nova ferramenta, um romance de 300 páginas em pouco mais de uma hora.
E a compreensão? Onde ficará?
Ah! Esqueci que ninguém está preocupado com isso. O negócio é vender o tal aplicativo, através de um novo celular.
Segundo a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Unisinos, Rove Luiza de Oliveira Chishman:
“Ler é mais do que decodificar letras e palavras, envolve dar significado, fazer conexões”.
Concordo, plenamente. Será impossível ter uma boa compreensão do que foi lido, se esse leitor levar apenas um minuto para ler mil palavras. Além do que, cada leitor terá, pessoalmente, uma compreensão semântica diferenciada em relação a cada palavra.
Isso, porém, não interessa. Afinal, a macacada de Darwin precisa ser apenas treinada para um desempenho similar a uma máquina. Nada que precise pensar, fazer analogias, compreender o que subjaz ao texto...
Mas o que é isso?
Para a macacada vai interessar apenas a competição de quem lê mais rápido. E para os criadores do aplicativo, isso já está de bom tamanho.
 
É! Para aqueles que já se aperceberam disso, só mesmo fazendo blague!
Para os outros tantos, podem comemorar esse dia 1º de abril. Um dia para chamar de seu é o que resta.
Comemoremos todos ao som de A CASA, que se localiza na Rua dos Bobos, número zero, e que não tem teto e nem parede, construída que está sobre o nada.
Torçamos para que a Educação nos tire dessa casa inexistente para outra que repouse sobre os pilares sólidos do conhecimento.
 
 
 
A Casa – Toquinho
 
 
 
 
 
 

sábado, 23 de novembro de 2013

GRADES INVISÍVEIS

Você é prisioneiro e nem suspeita. E o mais aterrador é exatamente isso: não se dar por conta.
Você está diuturnamente ligado. Até quando dorme, o seu entorno mantém-se conectado. Há quem diga que seus dedos, em pleno sono, são, por vezes, vistos a deslizar sobre o lençol na busca incessante da conexão. Há quem já esteja próximo do ser “autômato”, aquele descrito por George Orwell.
E o pior é que essa contínua conexão, que começa precocemente, prima pela pura diversão, pelo simples entretenimento.
Como esse ser irá adquirir cultura, aquele ingrediente que o tornará diferenciado e não apenas uma mera reprodução do coletivo de que faz parte em número, porém, não necessariamente em pensamento, em virtudes, em sensibilidade, em imaginação?
Como se pode adquirir cultura sem ler uma obra literária?
Como aguçar a sensibilidade para a música sem apreciá-la? Será que é suficiente, para tanto, ouvi-la como fundo de uma conversa pelo facebook, que, por sua vez, usa uma linguagem quase criptográfica?
Reflexão é coisa que se adquire após um tempo suficiente de amadurecimento obtido através de leituras e não em bate-papos pelo face.
Qual o futuro de um jovem que permanece sete horas em frente a uma tela, apenas divertindo-se, jogando, digitando letras desconexas que expressam sentimentos de alegria, prazer, raiva, descontentamento?
Há que ter presente a indiscutível importância da tecnologia da informação como ferramenta auxiliar do conhecimento. Nunca, porém, como base para uma sólida formação. Isso, claro, se estivermos interessados em capacitar os jovens a assumirem o papel que lhes cabe, qual seja o de transformar, para melhor, as sociedades as quais pertencem.
Agora, se esse não for o propósito, acredito que essa tecnologia poderá estar a serviço da criação de hordas de seres que absolutamente não pensariam, pois o pensar, ato que distingue o ser humano dos demais, estaria totalmente refém do inconsciente. Essa é a chamada sociedade Ingsoc, vislumbrada por Orwell em seu livro 1984, onde sistemas sofisticados, aparentemente não totalitários, poderão conduzir-nos a perdas de conquistas humanas que levaram séculos para se constituírem. Aliás, um livro escrito em 1948 e profundamente atual.
Qual de nós não pensa na linguagem da Internet ao se deparar com o vocabulário da Novilíngua?
Quem não se enxerga no duplipensar, quando vê mudanças repentinas de posições ideologicamente contrárias e que a nós passam a tornarem-se legítimas, tão legítimas que podemos adotá-las, conforme as conveniências do momento, de uma forma ou de outra?
Quem não se assusta ao ver os “Proles” de 1984 serem, hoje, uma expressiva fatia da humanidade, cujas opiniões ou a ausência delas é absolutamente indiferente para o “establishment”?
Há sempre o risco de esses usuários tornarem-se tão despreparados, tão vulneráveis à realidade que exige conhecimento, competência, espírito crítico nas escolhas, que ao abrir-se a porta dessa grade que os aprisiona, não consigam por ela escapar. Permanecendo, portanto, presos ao comodismo, a uma parca sobrevivência, pois não terão possibilidades de um pleno desenvolvimento da sua individualidade. Essa perder-se-á nos estereótipos do grupo, da turma, do coletivo massificado.
Agora, para descontrair, leia O PASSARINHO ENGAIOLADO de Rubem Alves que demonstra bem essa possibilidade de desistência da liberdade até para um animalzinho que só sabe viver voando, livre, capaz de, pelo instinto, safar-se dos perigos.
Por outro lado, Martinho da Vila traz, para compensar, uma passarinha bem mais corajosa que sai em busca de companheiro e que não deixaria, com certeza, as pimentinhas do conto de Rubem Alves intactas. Acompanhe a letra do samba GAIOLAS ABERTAS na voz de um de seus autores. O outro é João Donato. Bom divertimento!
Ah! Não se esqueça de conviver mais, conversar mais, ouvir mais, enxergar mais. Tudo ao vivo e em cores.
E, por favor, desligue o tablet na hora do almoço!









Martinho da Vila – Gaiolas Abertas





domingo, 17 de novembro de 2013

CRIAR: UM ATO DE AMOR

E Deus criou...
Nós, à sua imagem e semelhança, também geramos, criamos e recriamos com grande esforço, como nos diz Fernando Pessoa nos dois versos que seguem:
O esforço é grande e o homem é pequeno.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
                                     (versos extraídos do poema PADRÃO, inserido na primeira parte (O Brasão) do livro MENSAGEM, uma ode patriótica)
Mesmo assim, é nossa obrigação continuar acalentando esse ideal de criação permanente, pois ela é a prova do grande amor de que somos constituídos. E esse legado é o que nos move, é o que nos compete levar adiante. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema AMAR, verseja assim:
Assim dessa forma é que o criar, que repousa no amor ao outro, a um ideal, ao coletivo, se defronta, muitas vezes. A uma doação ilimitada, pode seguir-se uma completa ingratidão. No plano familiar esse comportamento é até bem encontradiço, bem comum.
Felizmente, as mais das vezes, esse criar tem uma resposta pronta e receptiva e começa nas primeiras letras. E é a pessoa daquela primeira professora, que conduz os primeiros passos do seu pequenino aluno, a quem incumbe esse papel de criar condições para uma resposta positiva.
Com muito amor, pois esse criar depende desse ingrediente, o conhecimento vai sendo não apenas transmitido, mas também buscado, numa necessária simbiose, pelos parceiros dessa relação ensino/aprendizagem, isto é, professor/aluno.
Criar condições encerra uma capacidade criativa que, a cada dia, exige mais do professor, frente aos avanços da tecnologia.
Isso, porém, não é impeditivo para a obtenção de resultados positivos, mesmo a infraestrutura à disposição não sendo adequada ou suficiente para a aprendizagem.
Caberá ao professor, com criatividade, criar condições de levar o alunado a um patamar, no mínimo, satisfatório de aprendizagem.
Por isso, considero este profissional, que se dedica ao ensino, o indivíduo mais relevante no segmento social de uma comunidade.
Criar é um ato de amor e ser criativo é uma exigência imposta, principalmente nos dias atuais, em que há grandes avanços, por um lado, mas também grandes deficiências, por outro.
Numa sociedade, extremamente heterogênea em termos econômicos, ser criativo impõe-se como arma a ser usada pelos mais carentes para alcançar aquilo que a muitos outros é de fácil aquisição. E é ao professor que cabe essa tarefa: a de conduzir o alçar voo, sustentando, em pleno mar de vicissitudes, a manutenção e o alcance do destino final, qual seja, melhores chances na vida através da educação e do conhecimento.
Temos um exemplo desse mister na pessoa da Prof.ª Maria Alice Gouvêa Campesato. Docente da Escola Pública Municipal Nossa Senhora do Carmo, no Bairro Restinga, exerce sua função com grande criatividade, levando seus alunos da 6ª Série a descobrirem o prazer de ler.
Criou o Varal Literário, para que os alunos começassem a se familiarizar com os versos de conhecidos poetas, tudo visando a explorar a sensibilidade desses jovens leitores. A seguir, implantou o Clube de Leitura e os Saraus Literários que, a meu ver, é o grande trunfo, pois é aberto à comunidade, e é onde os participantes começam a sentirem-se mais confiantes. Aprendem a ler com mais desenvoltura, a declamar e a interpretar poemas de diversos autores. Assim vão, aos poucos, capacitando-se a criar os seus próprios poemas, bem como textos em prosa. Fazendo uso de música, de imagens e poesias, fica muito mais prazeroso o estudo de textos literários por essa gente miúda.
Isso capacitará esses alunos, num futuro, a uma melhor interpretação e compreensão de qualquer texto, de qualquer discurso. Aprendamos a ler. Aprendamos a pensar. Aprendamos a refletir. Discutamos mais, dialoguemos mais, tragamos à luz aquilo que já se encontra latente na própria alma. Preocupemo-nos mais com os problemas humanos, particularmente com a ética: esses são os belos ensinamentos de Sócrates.
Cidadãos forjam-se quando se lhes dá a capacidade de entendimento de qualquer tipo de discurso, seja ele vazio ou merecedor de uma reflexão maior. A seleção virá ao natural.
Portanto, parabéns à Professora Maria Alice que concorre, como finalista, ao Prêmio RBS de Educação, Projeto: Leitura: Viagens Literárias. Meu voto é para ela.
Destaco, abaixo, parte do texto da citada professora, em que, no segundo parágrafo, afirma que, “nem sempre o que se planeja dá certo, nem sempre a gente pega turmas receptivas”. Digo eu, parafraseando Drummond:
“Saber amar o inóspito, o áspero,
Um vaso sem flor. Mesmo assim, amar “essa secura toda”.
E isso não é motivo para que se desista, conforme afirma Maria Alice.
Grande verdade, professora!
A Comunidade da Restinga agradece.
Esse é o caminho para que se transforme uma comunidade, uma sociedade, um povo.

Transpondo o cântico de Fernando Pessoa à nossa aldeia:

Sabe-se que o esforço é grande e o homem é pequeno.

Sabe-se que a alma é divina e a obra imperfeita.

Sabe-se que a obra é ousada, mas é do professor a parte feita.

E o porto por achar caberá aos pupilos que, com Deus, perseguirão o por fazer, pois esse será permanente e eterno.


E Viva o Dia da Criatividade, comemorado hoje, dia 17 de novembro.





Poesia AMAR – de Carlos Drummond de Andrade
Poema PADRÃO – cantado por Caetano Veloso  

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Comentário via Facebook:
Amar...amar...amar! Eu amo, também, tuas crônicas e a tua criatividade. Parabéns! Professora Maria Alice! Parabéns, Soninha!!! 


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013




 A ÉPOCA DOS 3 EM 1

Clarissa folheia com vagar o velho caderno, o único que sobrou de tantos.

Vai virando as folhas, uma a uma, parando, às vezes, em alguma que lhe chama a atenção pelas marcas deixadas no papel. São borrões, pingos eventuais de tinta de caneta ou refrigerante, e tantos outros sinais ali existentes: guardados ainda na memória.

Porém, um, em especial, que aguarda por ela mais para o fim do caderno, a faz recordar com ternura. Ternura por si própria ao ver-se retratada, naquele momento da existência, já tão longe, por aquela mancha bem no meio da página. Aquela lágrima caíra bem ali, naquele trecho do texto onde escrevera a palavra “amiga”.

Volta no tempo e relembra a tristeza que sentiu ao escrever que Soraia, sua melhor amiga, trocara de colégio e, por isso, não seria mais sua colega de aula.

O tema da redação, proposto pela professora, tinha sido “O Valor de um Afeto”. E Clarissa tinha escolhido a amiga Soraia como alguém a quem dispensava um grande afeto. Infelizmente, depois de cursarem juntas várias séries, não mais poderiam manter aquela diária e estreita amizade.

O registro daquele intenso momento de emoção estava ali, para sempre, registrado através de uma mancha sobre a tinta, nascendo um borrão, causado pela lágrima caída de olhos ainda tão jovens.
CONGELE A CENA.


Hoje, a mesma cena da lágrima ficaria registrada? Não, não teria registro.

Cairia sobre uma tela de plástico, resistente a riscos, resistente à água, resistente a lágrimas. Resistente ao registro da emoção daquele instante único.

A impessoalidade de um tablet, a aridez de uma tela, embora suave ao toque, não nos permite manter mais registros palpáveis, visíveis, de um momento de emoção extravasada, literalmente derramada.

Dispensa-se, hoje, o caderno, o lápis (ou caneta), a borracha. Temos o tablet, temos o simples toque dos dedos sobre a tela. Ah, e o mouse, também. E podemos gravar tudo num Pen Drive.

Nossos textos, nossas criações estarão todas lá, armazenadas. A autoria estará preservada, é claro. Mas a emoção do ato de criar, as etapas que se vão somando, com eventuais garatujas, riscos, desistências reveladoras na escolha da melhor palavra, reticências e sublinhados não terão mais registro.

Imaginem tantos autores clássicos, sem os seus manuscritos. Que perda irreparável seria para quem procura entender melhor o fazer poético, a lida com a palavra escrita mantida por tantos escritores de nomeada.

O processo de criação fica muito mais evidente em apontamentos e em manuscritos do que ficaria em textos registrados num tablet. Suas anotações à margem do texto, bem como a própria letra do escritor, são reveladoras de características peculiares de seu fazer textual, que nos dão a sua visão pessoal dos seus escritos.

E se falarmos em alunos que iniciam seus estudos no Ensino Fundamental, em particular, é importante que se capacitem a usar a mão para formarem, letra por letra, palavras que criarão frases, que comporão textos. Textos que contarão estórias, suas e de outros, com a emoção que é peculiar a cada um, num registro visível, palpável e totalmente pessoal dos sentimentos que nos diferenciam da máquina. Pois, não somos máquinas. 
Somos humanos e elas devem de estar a nosso serviço, tão somente.

Não esqueçamos que ainda somos seres pensantes, não somos idiotas e, portanto, a tecnologia tem que ser vista como mais uma ferramenta, apenas. Caso não seja assim entendida, de nada valerá o investimento em seu desenvolvimento.


Dito isso, boa volta às aulas.

Não importa que vocês, alunos, não tenham tablet. O importante é que tenham o que escrever, que adquiram a capacidade de escrever bem, de forma correta. E que aprendam a pensar, a refletir. Para isso, é imprescindível a figura do professor. A máquina servirá para auxiliar o trabalho de alunos e professores. Abrirá, com certeza, o mundo do conhecimento, das novidades, das pesquisas e tudo o que venha a ampliar a visão das coisas que os cercam, já trazida pelos alunos para sala de aula.

O bom e velho caderno, pelo menos nas séries do Ensino Fundamental, eu acredito que seja, ainda, um companheiro fiel. Clarissa não se emocionaria diante de um tablet, se fosse encontrado num canto da casa, caso existisse em sua época. Suas lágrimas não teriam tido registro. Sua emoção não se teria renovado. Seu passado seria apenas uma vaga lembrança. Sua história: um pouco mais difusa pela ação do tempo.


 

O Caderno - Toquinho




Fragmentos manuscritos de conhecidos autores nacionais:



Euclides da Cunha
Ferreira Gullar

João Cabral de Melo Neto

João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa

Machado de Assis

Mário Quintana

Millôr Fernandes


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Comentários via Facebook:


Scyla escreveu: "Olha que já é madrugada, amiga, mas a tua estrela cronista estava aí brilhando, iluminando tudo e eu resolvi que não deixaria para amanhã. Até porque o amanhã é incerto para todos nós. E com esta pressa, esta ansiedade, fui conferir O CADERNO de Soninha Athayde, que depois de toda a belíssima leitura, depois de queridas lembranças, nos dá uma aula de "convivência pacífica" entre o novo e o nem tão antigo e sempre encantador método de guardar palavras, textos, poemas."
Scyla escreveu: "Fala de tudo o que permeia a atmosfera escolar, nos leva para dentro da sala de aula, nos apresenta o professor ( indispensável) e nos coloca diante das novas ferramentas de aprender e de ensinar, pesquisar, redigir. Linda crônica e o presente na voz de Toquinho, O CADERNO, de Vinicius de Morais. Obrigada por nos oferecer o teu talento, Soninha, e parabéns! Bjs"





sábado, 12 de novembro de 2011











O ENCANTO QUE SE RENOVA


A imagem trago na retina.

A menininha se esgueira por entre as prateleiras e logo surge com um livro infantil. Senta-se no degrau que havia na antiga Livraria do Globo, entrada pela Rua José Montaury, bem no meio da loja.

Sofregamente, começa a leitura, virando as folhas com relativa rapidez. Por vezes, se detém em uma ou outra página, olhando com atenção as gravuras que acompanham a história. Já sabe ler. É um encanto vê-la absorta daquela maneira. Bem antes que eu faça as compras necessárias, lá está, novamente, ela com outro livro. Eu que também pretendia comprar algum livro para ela, nem sei mais qual devo adquirir. Aqueles já lidos, não há mais interesse. Então, juntas, eu e minha filha, escolhemos outro para ler “em casa”.

Assim é que se criam leitores: oportunizando-se o acesso aos livros.

Agora, lá pela década de 30, em Santa Maria, a avó dessa menininha já possuía o amor pela leitura. Embora tivesse apenas frequentado as séries iniciais do Curso Primário, teve acesso, à época, a uma biblioteca pertencente a um famoso médico da cidade.

Junto à janela, sob a luz do luar (a energia elétrica andava racionada), pois só dispunha da noite para desfrutar desse prazer, ela, que criava os irmãos mais jovens, pois a mãe falecera precocemente, leu obras universais. SONIA OU O CALVÁRIO DO POVO RUSSO, romance em fascículos, de Ivan Kossorowsky, versão portuguesa de Alfredo Castro, foi apenas uma delas.

Eu, que vim bem depois, fui registrada com o nome de Sonia, em razão do nome da heroína do referido romance.

Os livros têm uma enorme importância em nossa vida.

Anos mais tarde, já frequentando o Curso de Letras, tive que ler inúmeros livros. Autores brasileiros e portugueses foram revisitados por nós, alunos, ao longo do curso. E nesse período, minha mãe, que se acostumara a ler por prazer, manteve essa necessidade ao longo de toda a minha graduação. Lembro, com clareza, dela lendo, por inteiro, livros como o Chapadão do Bugre, de Mário Palmério, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa e tantos outros autores nacionais e também portugueses.

Que magia há por trás do ato de ler!

Abeberar-se no texto, jogar-se com o autor, de cabeça, nas paisagens descritas, nas cenas comoventes, ver-se desnudo, de repente, a partir de traços psicológicos desenvolvidos pelos personagens, é uma experiência indescritível. Deparar-se com trechos que aguçam nossos sentidos, que nos levam a sentir aromas, cheiros, calor ou frio, a quase enxergar ou ouvir, tal a força da descrição, é muito prazeroso.

A palavra é o instrumento que nos diferencia: que nos faz humanos. Apenas nós temos esse privilégio. Podemos expressar, através dela, todos os nossos sentimentos, sejam quais forem eles. O nosso balbucio prepara-nos para a expressão maior: a articulação de palavras que comporão nosso arsenal no ato da comunicação interpessoal.

Mais tarde, se mantivermos um contato amiúde, o mais cedo possível, com a palavra escrita, sentiremos prazer no ato de ler. E quem sabe, alguns se tornem até escritores. Se essa vocação não se fizer presente, restará, sem dúvida, o amor pela leitura. E, com certeza, uma maior capacitação no ato da escrita.




Alice, só torna-se ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS a partir do momento em que ouve a irmã lendo um livro, adormece e sonha. O buraco profundo, onde cai, a leva a um local mágico onde tudo é possível acontecer. A história termina com o acordar de Alice, descobrindo ter sido tudo um sonho. Lá, nas profundezas da nossa mente, estão abrigados todos os nossos sonhos.

O PEQUENO PRÍNCIPE sabe que “num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo”. Utilizando-se dessa assertiva, acreditamos que aquela pessoa, que se acostumou a privar com os livros, terá neles um amigo constante que, muitas vezes, poderá substituir um amigo de carne e osso. Isso está bem claro no comportamento daquela jovem da década de 30, ávida de leituras, carente de tempo, de amigos, de futuro. Afinal, era preciso voar, mesmo que em sonhos: libertar-se.

Ainda lembrando a raposa, de O PEQUENO PRÍNCIPE, diz ela que “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”. Sabemos que o início do desenvolvimento intelectual de uma criança é muito delicado. Ela captará pela palavra, pelas gravuras, pelos desenhos, a magia do texto, que é invisível, mas que lhe possibilitará ver com o coração.

Em GRANDE SERTÃO: VEREDAS, Riobaldo diz, a certa altura, “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”

No fio condutor do tempo, com as leituras que se sucederem, teremos essa comprovação. E assim, conforme vamos nos definindo, e isso parece não ter fim, assim também vamos, através das leituras de livros, nos modificando a cada nova compreensão que obtemos, a cada releitura.

E nesse moto-contínuo, aprendemos a tarefa de “criar laços”. Com quem? Com os livros, pois neles está a nossa necessidade maior, que é abastecer nosso ser com o que de melhor nós, humanos, dispomos: nossa capacidade de criar. Criar novas realidades, recriar o que já existe, descobrir-se e redescobrir-se a cada nova leitura.

E essa tarefa, com certeza, começa desde cedo.

Preservemos o encantamento com a palavra, com os livros, com nossas humanas histórias.

Que esse encanto se renove a cada olhar deitado sobre as páginas de um livro: uma possibilidade renovada de um novo olhar sobre as coisas, sobre as gentes do mundo. Que ele nos auxilie na busca de nós mesmos e no encontro do conhecimento.


E a imagem da menininha, surgindo com um livro na mão, volta uma vez mais.

E eu, novamente, suspendo a cena no olhar e saúdo os livros e os eventos que os consagram.