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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

AS CAIXINHAS


Quando tia Ernestina aparecia com aquelas caixinhas, era uma festa. Aninha corria ao seu encontro no afã de abri-las.

Uma delas sempre continha sementinhas. A menina jurava que aquela goiabeira, que embelezava o pátio, era produto de algumas das tantas sementinhas. Também tinha uma pereira e um caquizeiro, tudo obra daquelas sementinhas tão aguardadas pela menininha.

Agora, tinham também outras caixinhas. Todas eram gratas surpresas. Nunca se sabia bem o que elas continham. Uma delas, por exemplo, de tempos em tempos, vinha com minúsculos pares de olhinhos, feitos com fios de lã. Estes podiam ser trocados por outros já colocados nas bonecas de pano, mas facilmente removíveis, para que os novos “olhinhos” assumissem o seu papel de renovação daquelas companheiras de brincadeiras.

Havia, também, a caixinha das pequeninas bolinhas de algodão, que eram guardadas para enfeitar a árvore de Natal, como se fossem flocos de neve nos moldes europeus, tão apreciada à época.

Outra caixinha aparecia, vez por outra, com florzinhas, habilmente confeccionadas pela tia, que serviam para lembrar quão bonita e alegre é a estação delas: a Primavera.

As tais caixinhas eram todas aparentemente iguais, mas escondiam surpresas. Todas, porém, agradáveis. Nada que, naquele tempo, tenha assustado Aninha.

Tinha aquela dos balões, todos coloridos.

Havia outra que continha inúmeras estrelinhas com uma lua e um sol misturados no meio delas.

Existiam duas outras caixinhas que iniciaram Aninha nas primeiras letras e números: um verdadeiro jogo de armar. O raciocínio ia sendo exercitado através de brincadeiras com a formação de palavras e com a junção de números para as primeiras continhas.

Outra caixinha muito aguardada era aquela em que, ao abri-la, saltavam carinhas de bichinhos, alguns domésticos, outros da selva distante. Todos, porém, amigos de quem se dispunha a vê-los como irmãos de brincadeira.

Um mundo encantado aquele das “caixinhas surpresa”.

Esperar pela chegada delas era sempre motivo de grande expectativa. Nem sempre continham novidades. Muitas vezes, repetiam-se. Eram, porém, repetições saudadas, pois guardavam lembranças queridas.

Tia Ernestina sabia “das coisas” do mundo.

Encantar-se era parte da vida de Aninha. E nisso, tia Ernestina colaborava como ninguém.

Daquelas sementes de goiabeira, pereira e caquizeiro nasceu um pé de cada árvore no quintal da casa. Nasceu, igualmente, o amor pelas árvores.

Do trabalho artesanal com fios de lã, nasceram não somente novos olhinhos para as bonecas, mas um olhar sempre disposto ao novo.

Do algodão ficou a imagem do inverno europeu, não nosso conhecido, porém reverenciado pela beleza plástica que encerra.

Das flores permaneceu o colírio que a cada Primavera nos invade o olhar. Imagens floridas que tornam nosso olhar mais brilhante.

Os balões ainda despertam Aninha quando ela os vê na mão de algum vendedor ou de uma criança. Dá vontade de alçar voo junto e descobrir o que existe no distante infinito. A curiosidade pelo desconhecido sempre é um desafio ao ser humano. E isso se completa com o olhar perdido em noite de estrelas e lua, tudo junto. E os sonhos tudo admitem. E é bom sonhar!



Como só de sonhos não se vive, permaneceram as letras e os números para, ambos, deixarem Aninha com os pés no chão. Ela confessa que preferiu as letras aos números. Claro que, sem eles, não se vive. Eles são, diria ela, decisivos numa disputa acirrada.

Quanto aos animais, tia Ernestina também soube, através da caixinha respectiva, demonstrar que eles são nossos companheiros nesta viagem. Alguns mais próximos de nós, outros nem tanto, mas não menos importantes.



Aninha acredita que tia Ernestina cumpriu com o seu papel. Afinal, ela era a sobrinha de que tanto gostava.

Alguns dirão que tia Ernestina falhou. Falhou? Em nada, ela falhou.

Foi excelente o seu desempenho em instigar a curiosidade, a expectativa e a descoberta do que continham as caixinhas. As surpresas eram sempre proveitosas, recheadas de ação, de emoção e de sensibilidade na medida certa. Tudo com frutos colhidos naquele presente e imaginados para um futuro que se anunciava.

Perguntarão alguns:

- E quanto às surpresas desagradáveis que não lhe foram ensinadas?

- Caberá à vida encarregar-se de oferecê-las, digo eu em favor de Aninha. 

O fato é que Aninha sabe como abrir as tais caixinhas surpresa. Já está treinada.

Quando tem certeza do seu conteúdo, numa rápida passada de mão.

Quando pairam dúvidas, com muita cautela.

Quem sabe, o sonoro canto de alguma ave possa ser decisivo neste momento de tantas dúvidas, de tantas indefinições. Afinal, a caixinha dos bichinhos pode ser inspiradora nesta hora.



Vivam as Árvores!

Viva a Primavera!

Vivam elas!







Agora, surpresa mesmo, em alto nível, foi a que tiveram os jogadores do principal time de basquete da Turquia, o Anadolu Efes, conforme mostra o vídeo que segue.

A música, que é tocada na surpresa, chama-se Senden Daha Güzel e representa o hino da torcida do time. Ela foi capaz de despertar os jogadores, já que alguns estavam visivelmente entediados com o espetáculo que acontecia.





Surpresa em um concerto de Música Clássica



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

DIFÍCIL ACESSO... ao caminho das formiguinhas... ou a uma quinta lua...

Um dia, os olhos abriram-se. Quantas sensações foram-se somando! O tempo, figura despercebida, foi-se instalando a trotezito leve pelos dias e noites que se iam seguindo.

Os referenciais próximos eram todos seres iguais a si ou, pelo menos, tão vivos que mexiam o rabo, que balançavam ao vento, que cantavam ao longe, batendo as asas.

De vez em quando, uma chuva fina presenteava os olhos com aqueles pingos que escorriam pela vidraça. Por vezes, uma ventania derrubava alguns vasos mal colocados sobre a beirada de uma cerca. Também, às vezes, o frio mostrava a cara pela manhã, deixando suas marcas sobre o pátio em que havia uma pequena horta de verduras. 

À noite, tudo serenado, a lua surgia imponente, glamorosa, servindo, naquela época da infância, apenas como depositária de sonhos e perguntas ainda sem respostas.

Tudo se resumia a um pátio, a uma casa, bichos, pessoas e a mão caprichosa da Natureza: com suas alternâncias de luz e escuridão, de frio e calor, de secura e aguaceiro. Nada mais tranquilo do que o barulho da chuva fina sobre o telhado. 

Todos os ingredientes estavam ali presentes para as histórias que iam acontecendo ao natural.

Isso possibilitou que memórias fossem sendo armazenadas, sedimentando o chão de minha alma, palavras do escritor moçambicano Mia Couto, por mim tomadas de empréstimo.

Como relata o festejado escritor na Aula Magna, que abriu o 2º semestre do ano letivo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi de grande importância a casa em que viveu e, em especial, o chão de pedra da cozinha. Local por onde desfilavam as falas das mulheres, da família ou não, e onde fazia ele seus temas escolares. Também o convívio com o pai, durante as caminhadas pelos trilhos de uma via férrea, ensinou-lhe a relação com as coisas de menos valia material, mas de importantíssimo valor sentimental. Algo que dá uma dimensão da necessidade de se absorver um jeito vagaroso de existir, pois este enriquece a capacidade de observação. Momentos de extrema intimidade com as pessoas, as coisas e consigo próprio. Tudo de grande importância para quem viria a se tornar escritor por vocação, acredito eu. Mia Couto, de profissão biólogo, é, como tal, alguém dedicado a decifrar aspectos da natureza humana. 

Da rica palestra, que se encontra registrada abaixo, há inúmeras situações relatadas que nos dão uma visão mais detalhada das falas, das crenças, dos deuses e dos tempos da sociedade moçambicana.

A nós interessa, por ora, apenas os aspectos que se referem à importância das lembranças infantis ali descritas. Mais especificamente ao tempo e à intimidade, ambos desfrutados ao longo da infância, ao lado de referenciais humanos e da natureza.

A presença física, as vielas, as ruas, as praças, os lugares por onde se anda não podem desaparecer do contexto infantil. O registro de uma imagem, apenas, não é o bastante. O que importa é o registro mental daquela vivência. Esta é que perdurará. Temos que permanecer sendo autores de histórias vivenciadas e registradas em nossa memória. Elas, sim, dar-nos-ão suporte para o nosso equilíbrio psicossocial.

Mia Couto compara, a certa altura, o tempo atual como se fosse uma cobra em que lhe comeram a cabeça e lhe arrancaram a cauda. Ocorrendo tal amputação, resta-lhe o pescoço apenas. Portanto, sem cérebro e sem capacidade de movimento, pouco sobra para que haja opção de escolha ou de direção a seguir (interpretação minha). Muitos seres humanos, moldados nesta metáfora, se subordinam ao transitório que, por sua vez, já nasce morrendo. Temos, então, neste caso, o tempo do consumo que empobrece aquele que não cultiva o tempo necessário ao encantamento, à intimidade, ao prolongamento do sentir, do observar, do usufruir. Tempo, esse sim, rico de memórias e histórias para contar.

Voltando ao tempo das sensações infantis, como armazená-las se não temos tempo para tal, nem ambiente ou pessoas capazes de nos levar pela mão a nos mostrar tais maravilhas? 

Seguem, abaixo, pensamentos de Mário Quintana, extraídos do livro CADERNO H, que nos fazem atentar para a importância do sentir e do observar:




As cenas descritas pelo nosso poeta Quintana são fruto de momentos vividos e, posteriormente, revividos pela memória e lançados ao tempo que os imortalizou. É o que se pretende para cada um de nós: que nos imortalizemos pelas ações e criações que deixaremos como herança. Para isso precisamos do convívio com os nossos iguais e com os demais seres que habitam a natureza. Tudo dentro de um tempo pessoal e intransferível. Um tempo para observar aquela carreira de formiguinhas, levando cada uma a sua folhinha para um mesmo lugar que só a imaginação infantil poderá descrever. Um tempo para sentir, relacionar, criar e amar. Um tempo que sedimente nossas lembranças e nos faça autores de nossa trajetória. E não meros consumidores do agora que, logo ali, não mais existirá.

É! Está difícil o acesso da sensibilidade para o registro do perene. Apenas o transitório parece ter vez.

Tomara que tenhamos outros tantos escritores que busquem, como Mia Couto, nas histórias criadas, o desejo de manutenção de valores que perpassam pelo encantamento da infância e seu recriar: elementos imprescindíveis para uma evolução sadia desse antigo homem das cavernas.

Pois é! Pra quem, um dia, soube apreciar a Lua, tempos depois, saberá saudá-la. Verá uma lua que acende o céu com meia argola quebrada ou até descobrirá outra fase da lua, a quinta, que inspirou a música POEMA DA QUINTA LUA, letra de Sérgio Carvalho Pereira. Nela, o versejador ata a rédea na mirada da amada e neste olhar se acende a quinta lua, uma lua de amor.






Aula Magna ministrada por Mia Couto, escritor moçambicano, que  abriu o 2º semestre do ano letivo da UFRGS


Poema da Quinta Lua





sábado, 25 de janeiro de 2014

DE VERDES, AMARELOS, AZUIS E DE UM OLHAR CRIANÇA


No pátio, uma pereira, uma goiabeira, um caquizeiro e uma pequena parreira. Canteiros verdes de hortaliças e um gramado, também verde, em frente à casa. Uma casa toda verde com janelas também verdes, num tom mais claro. Hortênsias verdes e rosas sob a janela do quarto da frente.
A casa, de frente para o leste, recebia o sol que por lá acordava todos os dias, pintando de amarelo vivo o que encontrava pela frente.
E os olhos? Os olhos tinham espaço para buscar o céu, muito azul, que emoldurava a tudo e a todos.
Quando a professora solicitava um desenho, o preferido era aquele que costumava encher-lhe os olhos com referenciais que dispunha ao redor. Basicamente, duas elevações de terra, totalmente verdejantes, um sol brilhante despontando por entre os dois morros, e um céu, inteiramente azul, com algumas nuvens passeando ao deus- dará, para lá e para cá. Acrescentava uma casinha ao lado direito do desenho e, vez por outra, um laguinho, onde uma criança, de costas, jogava uma pedrinha, fazendo a água romper-se em mil círculos. Pura imaginação!
As cores básicas eram sempre o verde, o amarelo e o azul, mais umas pinceladas de marrom para representar o tronco de uma árvore, estrategicamente colocada, toda verdejante, ao sopé do morro. Tudo conforme o desenho que segue abaixo.


E não se vivia no campo, não. Era numa cidade que se vivia. E essa cidade era a capital dos gaúchos.
Foi o olhar criança ou a cidade que se modificou?
O olhar infantil, curioso, perscrutador: sinto-o ainda o mesmo. Faz parte do universo pessoal construído há muito tempo atrás. Agora, a cidade, com certeza, não é mais a mesma. Mas ela possui ainda todos os principais referenciais que a fizeram conhecida e amada.
Por que não resgatar e revitalizar todos os seus principais pontos turísticos, em especial os que dizem respeito à natureza, aqueles que se encontram a céu aberto. Os que permitam que crianças de hoje possam com ela dialogar. Que a conversa não seja apenas com a máquina, com uma natureza apenas virtual.
Olhar o céu em noite de lua cheia e, naquela esfera toda branca, por entre aquelas imagens que ela nos presenteia, enxergar, em imaginação, por exemplo, uma orquestra inteirinha, com músicos tocando! Que tal? Para quem já aprendia um instrumento musical, à época, não era muito estranho respeitar silêncios, pausas que a partitura exigia e, é claro, até imaginar uma orquestra tocando na lua.
Isso não é para qualquer criança. Ela tem que habituar-se a olhar para a natureza.
E isso não é saudosismo, nem romantismo.
É simplesmente propiciar a esse ser a possibilidade de exercitar a sua sensibilidade para aquilo que o seu olhar alcança, mesmo estando tãããoooo distante o objeto do olhar, como a lua.
O que importa é exercitar a emoção/contemplação, pois serão esses momentos que continuarão a ressoar nos pequenos tempos depois, religando-os à mãe Natureza, já que a outra se terá ido.
Diante de tantos tons enegrecidos, que nos chegam pelos noticiários do mundo, fica difícil iluminar o olhar, quando, também por aqui, observa-se tanta sujeira e tanto descaso pela cidade. Temos com urgência de procurar cultivar um olhar de admiração por aquilo que nos cerca, oferecendo espaços de convivência ao ar livre, já que os espigões nos tiram a possibilidade de enxergar um pé de goiabeira num canto do pátio. E o próprio céu está cada vez mais reduzido a estreitos pedaços ao olhar de quem o busca.
E quem o busca? Acredito que apenas aquele adulto que um dia, quando criança, teve espaço físico, orientação adequada, e até, às vezes, certo tédio que o levou a despertar a imaginação, criando-se, assim, momentos de imersão em seu próprio mundo mágico. E que teve, dessa maneira, despertada a sensibilidade para o aparentemente sem sentido, como acompanhar com o dedinho a gota de chuva que escorre pela vidraça, o seu pingar suave sobre o telhado, ou a completa sinfonia da chuva com trovões e tudo mais que a acompanha.
E cá estou eu a carecer de mais verdes, amarelos e azuis.
Como estarão nossas crianças? Como estará sendo despertada a sensibilidade para o entorno? A água que bebem, a sombra da árvore, o canto do bem-te-vi e as estrelas no céu serão objeto de admiração? Pousarão o olhar, terão a atenção voltada para esses elementos circundantes? Acompanharão as nuvens com seu desenho caprichoso que vai formando figuras conhecidas nossas? A imaginação serve para isso!
Como poderão ver despertada essa sensibilidade se estão presas a uma tela, qualquer que seja ela, recebendo um pôr do sol com a sensibilidade de quem o criou, através de um aplicativo X?
Diante desse quadro, vamos, pelo menos, melhorar os espaços de que dispomos, para que nossas crianças possam acompanhar o voo e o grasnar dos nossos papagaios selvagens, ouvir o canto dos bem-te-vis, observar o voo rasante das andorinhas em final de tarde, a gota d’água que cai daquela folha, que esteve a chorar durante a noite, aquela nuvem que corre atrás da outra só para, logo ali, juntarem-se formando um desenho que cada um vai imaginar o que é. Tudo de acordo com as suas vivências e a sua própria sensibilidade. É necessário parar um pouco de clicar, para deixar a imaginação surfar sozinha, ajudando-a a construir o universo próprio de cada um.
Governantes, é imperioso cuidarmos das nossas praças, das nossas árvores, verdadeiras reservas de ar puro, de saudável convívio e de último baluarte para que se mantenham vivos os tão necessários espaços para contemplação. Tudo em prol de uma melhor convivência consigo próprio e com o outro.
Foi por isso que, ao ver a fotografia estampada no Jornal Zero Hora, dias atrás, lembrei-me dos verdes, amarelos e azuis da minha infância. Tendo a Ponte de Pedra ao fundo, encharquei-me com aquelas cores e meus olhos tornaram-se o espelho d’água refletindo todas elas, já tão minhas conhecidas.
Pois foram essas exatamente as mesmas cores que predominaram na lindíssima fotografia, reproduzida abaixo.
E Porto Alegre?
Temos que mantê-la alegre, a qualquer custo, pois esse adjetivo é o que enfeita o substantivo, assim como a cor enfeita a pintura.
E essa, nesse caso, é natural.
Que bela imagem!
Ponte de Pedra ou dos Açores
Largo dos Açorianos 
(Foto: Dani Barcellos/Especial)
Trem das Cores – Caetano Veloso
As Cores de Abril – Vinicius e Toquinho

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

COMPOSITORES POR TABELA


Talvez tenhamos chegado ao momento em que tudo anda meio misturado. Não se sabe bem, pelo sentir, em qual época do ano andamos. Seria também essa a sensação nos já distantes séculos XVII e XVIII? Impossível saber-se. Mas houve quem se atrevesse a descrever, musicalmente, as estações do ano. E, ao que parece, eram já quatro as estações do ano. O que não se sabe é se seriam como as nossas de hoje, isto é, todas misturadas, independente do período. Isso, porém, não é o que nos interessa nessa reflexão de hoje.

Interessa, isso sim, destacar a importância dada a elas por um compositor italiano de nome Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741) que compôs a conhecida obra AS QUATRO ESTAÇÕES. Composta por quatro Concertos para Violino que retratam fatos que ocorrem durante cada estação do ano como, por exemplo, o aparecimento do gelo, ocasionando possíveis quedas.
Que sensibilidade aguçada deveria ter quem transpôs para notas musicais sensações tão diversas, que se iam modificando a cada nova estação do ano. É o estado da alma das diversas estações que ele transcreve musicalmente.
E, para tal, o violino é o instrumento que canta em todas as suas obras.
Posteriormente, usou da voz na sua música coral, onde também sua produção foi importante.
Agora, para um violino cantar, parecendo, por vezes, falar, substituindo a voz humana, seu compositor e instrumentistas tinham que ser muito bons.
Aliás, grandes artesãos, como, por exemplo, Antonio Giacomo Stradivari (1644-1737), entre outros, transformaram o violino em instrumento nobre.
A profusão de invenção melódica de Vivaldi foi, talvez, o que o tenha tornado mais popular. Por óbvio, não teve a densidade polifônica de um Bach. Porém, foi genial em invenção e em imaginação transpostas musicalmente.
Como compositor e violinista foi famoso na Europa inteira. Sua obra é extensa, sendo considerado um gênio no gênero típico da música instrumental barroca que é o Concerto Grosso, onde dois, três ou mais solistas alternam-se com a Orquestra de Câmara.
O que a nós importa, porém, é perceber a dimensão da dificuldade de transpor para notas musicais as sensações, as nuances, as emoções, o estado d’alma que cada estação do ano propicia individualmente. Daí a importância de um compositor. E ele soube sê-lo.
No seu tempo, na sua época, do lugar de onde vinha, suas raízes culturais, suas circunstâncias e vivências, foi ele representativo e figura ímpar.
Essas QUATRO ESTAÇÕES não foram qualquer coisa. Tornaram-se universais, pois perduram até hoje.
 
E as QUATRO ESTAÇÕES, nome original do samba-enredo Cântico à Natureza, da Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval de 1955?
E lá vão 59 anos de existência do samba de autoria de Nelson Sargento, seu padrasto Alfredo e, dizem também, com a parceria de Jamelão (José Bispo).
Muitos outros belos sambas foram compostos por Nelson Sargento.
Abstenham-se de comparar composições e compositores.
Não estamos aqui para dizer que a segunda obra é “uma coisa” e a primeira, é “outra coisa”! Até porque nem poderíamos comparar música erudita com música popular.
Estamos, isso sim, a reverenciar a figura do compositor e a data de 15 de janeiro como a escolhida para homenageá-los. A figura do letrista que, às vezes, é também o compositor da música, contribui para o sentir de quem ouve. As palavras, quando bem escolhidas, só acrescentam beleza à melodia posta.
A música, porém, quando de excelência, preenche o ser humano, trazendo-lhe um melhor entender-se, pois repousa na emoção. Ela é pura harmonia e traz paz. É o caminho da luz.
Pode, também, nos fortalecer, nos energizar, restaurar, motivar, impulsionar, reequilibrar, dependendo do seu estilo, do seu movimento e também de suas letras, por que não? Quantas músicas fizeram parte da nossa infância, da juventude, de momentos felizes, de expectativas, de instantes tristes?
E os compositores, por certo, são os responsáveis pela música que nos liga à nossa essência, que é movimento e vibração. O equilíbrio entre ambos, alternando-se com o relaxar, o dormir e o acordar, chama-se viver. Tudo com os andamentos variados de moderato, andante, allegro, allegretto, allegro com brio, adágio e, quando possível, com muito scherzando: que é pura alegria, graça, rapidez e leveza. E por aí vai...
Música é, portanto, vida. É ela que nos ajuda a nos tornarmos, também nós, compositores de uma partitura rica em tons maiores, menores, dissonantes, às vezes, mas, também harmônicos, no mais das vezes, que é a nossa jornada.
Segundo John M. Ortiz, compositor, multi-instrumentista e psicólogo:
“Só pela música conseguimos ouvir o passado, desfrutar o presente e compor o futuro”.
E mais adiante:
“Quando uma peça musical é composta, reflete o mundo do compositor – seus pensamentos, emoções ou estado psicológico – naquele momento. Transpostos para a música, esses sentimentos – a tradução de uma emoção que, de outra forma, seria fugaz – vivem na composição. Mais tarde, por meio da música, não apenas conseguimos ouvir, mas, às vezes em determinados níveis, sentir as emoções sendo processadas pelo compositor sob nossa própria ótica. Captada pela imaginação e introduzida em nosso mundo auditivo, a música fica capturada como um gênio na garrafa. Quando é solta, torna-se ora nossa escrava, ora nossa soberana.” (excerto extraído do livro O Tao da Música)
 
Portanto, abra a garrafa e solte-a para ouvi-la. Escolha qualquer uma das QUATRO ESTAÇÕES, a que mais preferir.
Escolhemos a “PRIMAVERA” de Vivaldi (10’20’’), para fazer par com a outra, porque é essa estação, conforme se vê da letra do samba, a mais reverenciada, pelo que se observa no refrão.
Boa audição!
Parabéns a todos os compositores!
 
E para os que quiserem ouvir as demais estações do ano, na criação de Vivaldi, deixem o vídeo rolar, pois ele dura 42 minutos.

 
 
 
 
Four Seasons – Vivaldi
 
 
 
 
 
Cântico à Natureza (As Quatro Estações)
 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

UMA PAUSA PARA O ENCANTAMENTO


Não importa se os dias são corridos, se acabo enxergando apenas semáforos, pedestres que se acotovelam pelas ruas, se espremem nos coletivos, ou se esbarram em shoppings e supermercados. Se pouco vejo os familiares ou se já nem os tenho mais.
Diante desse quadro, preciso, isso sim, é cultivar a emoção/contemplação, a emoção/sentimento. Aquela que foi a própria essência do estilo clássico. Aquela que abre passagem para a vida interior.
Michel Lacroix, filósofo e professor francês, autor do livro O Culto da Emoção,  discorre sobre os tipos de emoção existentes.
Classifica a emoção/choque como a que nos acompanha nos dias atuais. E ela apenas serve para nos chocar, sem nos dar nada em troca. Tampouco, torna-nos mais colaborativos. Apenas assistimos à miséria e ao extremo oposto como meros consumidores. Nossas sensações, nossas experiências excitantes, a partir dessas cenas, não têm um objetivo maior e principal. Por outro lado, a sensibilidade do sentir contemplativo exige muito mais. Exige tempo para que se transforme em um sentimento. Esse é um norte a alcançar.
E nós, seres humanos, somos seres com sentimentos. Nossas emoções originárias são fornecidas por situações reais que nos cercam.
Aquelas outras, modernamente criadas por técnicas em que o espetáculo é o choque, a perturbação, a perda de referenciais, não parecem levar o indivíduo a alcançar o nível de contemplação que o enriquecerá interiormente. Sem ter a percepção aguçada para o real que o circunda, tornar-se-á um mero consumidor de videogames, de músicas violentas, daqueles programas televisivos desprovidos de conteúdo, de filmes em 3D, de uma realidade virtual cujo cenário é prodigioso, mas onde a imaginação torna-se supérflua. Tudo muito atordoante.
E que futuros adultos estarão a formar-se?
Quem terá, daqui pra frente, sentidos tão aguçados a ponto de ouvir o barulho de folhas secas caírem sobre um chão compacto, de um pátio existente lá na distante infância?
E o cheiro de terra molhada prenunciando chuva próxima?
E o barulho das folhas ao vento?
E os olhos acompanhando o pisca-pisca das luzes enfeitando a árvore natalina?
E o Papai Noel que, diziam, chegava na calada da noite?
E os brinquedos?
Estavam sob a árvore na manhã seguinte.
Tudo como num passe de mágica.
Segundo Michel Lacroix:

“O eu não é rico por si mesmo, mas pelo que retira do mundo, por sua colheita emocional, sua disponibilidade ardorosa”.
“A verdadeira interioridade zomba da interioridade”.
E mais adiante:
“A vida interior requer a disponibilidade e a atenção para o mundo”.
“Precisa ser revitalizada pela exterioridade”.
“De certo modo, ela é o prolongamento dessas impressões, a condensação dessas emoções refinadas que continuam a ressoar em nós, depois de seu objeto haver desaparecido”.
Precisamos da realidade que nos cerca, porque o virtual é apenas um descolamento do sentir/contemplação para uma emoção que choca, constrange, amedronta ou excita. O essencial, porém, torna-se amorfo, sem uso, ensimesmado, incapacitado diante do outro e frente ao mundo. E o essencial é o sentimento/emoção, aquele que obtemos ao pousar os olhos em outro par de olhos, ao apreciar um pôr do sol, ao vivo e em cores, ao abraçar fisicamente, não virtualmente, um amigo, ao observar o pouso suave de um pássaro sobre a árvore da praça. Ainda, só para lembrar, como estamos tão próximos do Natal, é montar a árvore, embora já não um pinheiro verdadeiro, mas ainda tangível, que se pode tocar, aos moldes daquela que ainda povoa nossas lembranças.
A árvore virtual, tão moderna, sinceramente, não sei se as crianças lembrar-se-ão dela quando chegarem à velhice. E a vida interior, talvez, esteja mais pobre quando dela mais precisarem.
Por ora, usufruamos desse tempo de Natal para fazermos uma pausa. E com os olhos brilhando, continuemos nos encantando com lembranças tão gratas.
Pois, como afirma Lacroix:

“A alma não extrai nada de seu próprio fundo: é fabricada com belezas externas”.
“Longe de ser autossuficiente, é apenas a sombra projetada pelo mundo”.
“É uma lanterna mágica na qual se projetam as imagens externas, acompanhadas por suas vibrações emocionais”.
E o virtual, convenhamos, passa bem longe disso.
Esse é um campo que obscurece nossa sensibilidade, deixando-nos à mercê de uma emoção excitada, desvinculada do outro, integralmente artificial e egocêntrica.
E o Natal pede mais!
Agora, por outro lado, o mundo virtual do computador faz parte do nosso dia a dia. Se atividades forem bem conduzidas por pais e educadores e repassadas aos pequenos na hora exata, podemos, quem sabe, salvar a emoção/sentimento, entre tantas outras oferecidas. Talvez, consigamos livrá-los do pensamento massificado da grande manada.
Afinal, como diz Toquinho, na música Mundo da Criança, o mundo da criança é abençoado. E, talvez, estejamos vendo fantasmas onde não haja sequer mais indivíduos para assustarem-se com esses espectros. Pois nem mais saberão o que é um fantasma!
O Mundo da Criança – Toquinho
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Comentário via Facebook:
Maria Odila Menezes:
"Amigas! Não percam esta crônica! maravilhosa!!!!Parabéns, Soninha!"